Vai ser por videoconferência que Joe Biden vai, como já o anunciou de forma antecipada, dizer a Vladimir Putin que o mantém debaixo de olho e que sabe muito bem o que os russos estão a fazer junto à fronteira com a Ucrânia... enquanto Putin deve repetir o que também já disse: É tudo histeria injustificada e ficção criada nas mentes dos países ocidentais.
Este encontro está marcado, segundo o porta-voz do Kremlin, Dmity Peskov, para a noite de terça-feira e terá a duração que ambos os "Chefes" entenderem.
Para ficar resolvido depois deste encontro entre os comandantes-em-chefe das duas maiores potências militares do planeta é a questão, do ponto de vista de Washington, dos milhares de militares e material bélico russo ao longo da fronteira com a Ucrânia, e na perspectiva de Moscovo, acabar com os desafiantes exercício militares dos norte-americanos no Mar Negro, mesmo debaixo das barbas dos russos.
Mas existe mesmo a possibilidade de os russos invadirem o seu vizinho a oeste, a Ucrânia?
Há vários anos que os Governos ocidentais, especialmente os Estados Unidos da América, admitem que Moscovo prepara uma invasão de larga escala à vizinha Ucrânia, fazendo regressar à Europa o receio de uma guerra que facilmente se perceberia como começou e porquê, mas que ninguém pode fazer um desenho de como iria acabar. Moscovo mantém que é tudo "histeria artificial e sem sentido".
Porquê? Porque a invasão da Ucrânia permitiria à Rússia restabelecer as antigas fronteiras da União Soviética a oeste, com a Europa e a Organização do Tratado Atlântico Norte (NATO-OTAN) e, como referem os analistas que abordam a questão pela perspectiva económica, de forma a garantir que a península da Crimeia não fica isolada, inclusive em questões de acesso à água do Rio Dniepre.
Mas isso valeria do ponto de visto russo, face às garantias já dadas pelo Presidente norte-americano, Joe Biden, e os europeus também, de que não poderão ficar de braços cruzados se a invasão acontecer, como prevêem os serviços secretos dos EUA?
O inquilino da Casa Branca sublinhou, já nas últimas horas, que está bem ciente das acções russas e que vai ter uma "longa conversa" com o seu homólogo russo, Vladimir Putin.
Os analistas mais atentos ao modus operandi de Vladimir Putin entendem ser muito difícil que o Kremlin avance com essa invasão, apontada para o início de 2022, preferindo dizer que se trata de mais uma, entre muitas nos últimos anos, manobra para manter Moscovo e o líder russo na primeira linha das potências globais tendo em conta que, cada vez mais, o planeta se inclina para uma nova luta de titãs entre Washington e Pequim, secundarizando a importância de Moscovo.
Todavia, o que os media internacionais estão a repetir insistentemente é que uma brecha na intelligentsia norte-americana - mesmo sabendo-se que estas brechas nunca são o que parecem - permitiu saber que a Rússia está a concentrar largas centenas de milhares de militares e armamento em qualidade e quantidade nunca vistas, ao longo da fronteira com a Ucrânia.
Esses planos incluem, segundo a "fuga" das secretas dos EUA, linhas de abastecimento em território russo e da Bielorrússia de forma a garantir que a máquina de guerra russa possa garantir uma vitória rápida e sem desvios ao inicialmente planeado.
Apesar de Moscovo não esconder que nos últimos anos realizou vários exercícios militares de larga escala junto à fronteira com a Ucrânia, que envolveu o seu Exército em manobras belicistas com a vizinha e aliada Bielorrússia, e que, depois destes terem terminado, manteve uma força incomum pela dimensão e material de guerra nas proximidades da fronteira, o que pode, segundo algumas análises menos circenses e mediáticas de alguns think thank internacionais, é que a estratégia de Putin visa alargar a malha que a NATO está a apertar ao longo das suas fronteiras.
Moscovo não se tem cansado de mostrar o seu incómodo com o alargamento desta organização de defesa militar a leste, do centro europeu para as suas fronteiras, sendo que a Ucrânia é o território (ver mapa) que serve de tampão entre a Rússia e a NATO-OTAN, sendo o único espaço geográfico, além da Bielorrússia, que permite a Vladimir Putin "respirar" a oeste.
Face a este cenário, que, na pior das hipóteses, poderia levar à Europa um novo armagedão mais de 70 anos depois da II Guerra Mundial, Biden e Putin têm já uma conversa por videoconferência para os próximos dias que pode mudar tudo ou agudizar aina mais os ânimos.
Até porque o Governo ucraniano já veio dizer que está pronto para responder militarmente a qualquer avanço do Exército russo no seu território, contando Kiev com o apoio explícito de Joe Biden, que já veio garantir que está a fazer tudo para erguer uma barreira eficaz de contenção a qualquer intenção que possa existir na cabeça de Vladimir Putin.
Mas, em pano de fundo deste já antigo imbróglio - recorde-se que a Rússia anexou a Crimeia há apenas alguns anos, em 2014 - está o insistente pedido de Kiev de aderir de corpo inteiro à NATO, o que, para Moscovo, é uma impossibilidade porque isso retiraria à Rússia o único espaço geográfico de respiração estratégica a oeste das suas fronteiras.
E, para mais, acrescentaria um perigo iminente de guerra sem quartel porque um dos pilares da NATO é que toda a organização responde em uníssono quando um dos seus membros for atacado, o que, por exemplo, estaria abrangido aquando da anexação das Península da Crimeia por Moscovo, em 2014, dando azo, no limite, a uma guerra sem limites entre os dois mais poderosos, inclusive no arsenal nuclear, gigantes militares no planeta, porque é isso mesmo que são, ainda, apesar da debilidade económica russa, Washington e Moscovo.
Mas com ou sem estar oficialmente na NATO, a Ucrânia conta claramente com o apoio dos EUA, como o disse o Secretário de Estado, Antony Blinken, que garantiu "pesados e severos custos" se Moscovo avançar com os seus tanques sobre o território do país vizinho.
A resposta do Kremlin foi, desta vez, a mesma que nas anteriores: "É tudo invenção do ocidente!", disse o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov, acrescentando o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, que se trata de uma "histeria artificial"
Peskov acrescentou ainda que "tudo isto nem é muito lógico nem decente", sublinhando que é uma "ficção" que serve alguns interesses mas não os da Rússia.
No fim da lista das abordagens analíticas a esta crise, sendo ela artificial ou não e motorizada por russos ou norte-americanos, o mais certo é tratar-se de uma situação que a todos serve: aos russos, porque força o mundo a manter Moscovo no palco das potências que importam; aos ucranianos, porque o seu Governo, do Presidente, Volodymyr Zelenskyy, mantém o poder graças a uma permanente "fogueira" alimentada de ameaças à soberania pelo vizinho do lado, e aos EUA, porque Washington precisa de divergir as atenções da crise no Indo-Pacífico com a China e dá sempre jeito manter o velho "papão vermelho" como inimigo para uso em certas circunstâncias.
No fim, o que Putin quer e afastar a NATO das suas fronteiras e tentar impedir que as forças de Defesa ucranianas se rearmem com material militar norte-americano e procure recuperar a Crimeia e ainda o território ocupado ao longo da fronteira pelas forças separatistas - oriundas da população maioritariamente de origem russa nesta faixa - que contam, oficiosamente, apesar deste negar, com o apoio de Moscovo.
Se o vai conseguir, ver-se-á nos próximos meses. Mas uma guerra aberta entre estes dois gigantes europeus, seria trágico, no mínimo.
A Ucrânia é um país com a dimensão semelhante à França, com pouco menos de 45 milhões de habitantes e conta com mais de 240 mil militares nas suas Forças Armadas. Não possui arsenal nuclear.
A Rússia, com cerca de 100 milhões de habitantes, conta com umas Forças Armadas que integram com pouco mais de 1 milhões de elementos, e é o país com mais voluntários de reservas, cerca de 2 milhões. Do ponto de vista do equipamento militar, além de ser o país com mais armas nucleares, cerca de 6.500, é um dos Exércitos com mais tanques e mais artilharia convencional, além de contar com uma das mais volumosas forças aéreas do mundo.