O Presidente da Ucrânia voltou hoje a surpreender o mundo com mais um truque inesperado tirado da manga ao apelar ao diálogo directo e sem intermediários com o seu homólogo russo, depois de, em dias sucessivos, ter elevado a fasquia das acusações à Rússia pelas atrocidades cometidas no seu país e depois de ter dito que as forças ucranianas estão a ganhar posições contra o avanço das tropas do Kremlin.
Este apelo de Zelensky aparece quando o foco mediático do mundo ocidental tende a dirigir-se da frente de batalha no leste da Ucrânia para o norte da Europa, onde os dois países nórdicos que ainda não estão nesta aliança militar, Finlândia e Suécia, anunciaram que vão pedir a adesão nos próximos dias, o que levou Moscovo, através do seu vice-presidente do Conselho de Segurança e Defesa da Rússia, e antigo Presidente, Dmitri Medvedev, a anunciar severas consequências e medidas retaliatórias, que podem ser militares e levar a uma "guerra nuclear total", porque essa integração aumentaria em milhares de quilómetros a fronteira da NATO com a Rússia.
O início da actual guerra na Ucrânia tem por principal fundamento a recusa de Moscovo em aceitar o seu mais vasto vizinho europeu a oeste como membro da NATO, a organização criada em 1949 pelos EUA com países europeus de forma a fazer frente à então União Soviética, e esta adesão da Finlândia e da Suécia eleva ainda mais o receio de Moscovo, que considera esse alargamento uma questão vital para a sua segurança, o que aponta para consequências imprevisíveis mas que, aparentemente, Washington e as capitais europeias estão disponíveis para enfrentar, no limite, até ao nível nuclear.
Porém, esse risco pode ter descido substancialmente hoje porque Recep Erdogan, o Presidente turco, antecipou-se e anunciou que a Turquia vai vetar a entrada dos dois países na NATO aproveitando a alínea estatutária que impõe que este tipo de decisões sejam tomadas por unanimidade, obrigatoriamente, alegando que aqueles dois Estados acolhem organizações que Ancara encara como terroristas, mas que, na realidade, face à proximidade com Putin, terá percebido a gravidade do que está em causa e avançou com esta decisão, que pode retardar o processo de adesão das Finlândia e da Suécia à NATO por largos meses ou mesmo anos.
Zelensky quer falar com Putin mas também confiscar-lhe os bens
O Presidente ucraniano abandonou hoje, por momentos, a sua retórica fortemente agressiva para com a Rússia e o seu Presidente, que ordenou a invasão da Ucrânia a 24 de Fevereiro, para apelar a um encontro a sós e sem intermediários com Vladimir Putin, mas, ao mesmo tempo, mandou o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Dmitri Kuleba, pedir aos países do G7, que agrega os sete mais ricos do mundo, para que confisquem os bens russos nos seus sistemas financeiros de forma a financiar a reconstrução do país face ao conflito em curso.
Scholz pede a Putin um "cessar-fogo"
O chanceler alemão, Olaf Scholz, pediu ao chefe de Estado russo, Vladimir Putin, em contacto telefónico, um cessar-fogo na Ucrânia e rejeitou as acusações do Kremlin sobre o "nazismo" ucraniano, avançou a Lusa.
"A afirmação de que os nazis dominam [na Ucrânia] é falsa", afirmou Scholz, segundo a Lusa, através da rede social Twitter, informando que manteve hoje um contacto telefónico com Vladimir Putin.
Por outro lado de acordo com uma nota oficial do governo de Berlim, o chanceler alemão recordou ao Presidente russo sobre a responsabilidade da Rússia no que diz respeito à produção e distribuição de alimentos a nível global "como consequência" da "guerra impulsionada pela Rússia".
Segundo Berlim, no contacto estabelecido pelo telefone, Scholz falou com Putin sobre a necessidade de se alcançar "o quanto antes" um cessar-fogo recordando as consequências da guerra na Ucrânia, sobretudo na cidade portuária de Mariupol.
A mensagem de Scholz no Twitter e o comunicado posterior da chancelaria ocorreram após as primeiras informações sobre o contacto que os dois estabeleceram hoje.
Fontes oficiais russas disseram que Putin e Scholz debateram "por iniciativa da Alemanha" a situação humanitária na Ucrânia, no quadro da "operação militar russa" no país.
O Presidente russo expressou, de acordo com as mesmas fontes, "a lógica e os principais objectivos da "operação militar especial" no sentido da defesa das "repúblicas populares" do Donbass [leste da Ucrânia]", explicando também as "medidas tomadas para garantir a segurança da população civil" na região.
O contacto foi estabelecido na mesma altura em que decorre, na Alemanha, a reunião dos Estados que fazem parte do G7, com a participação dos ministros dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia e da Moldova.
A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas e políticas a Moscovo.
Rússia acusa União Europeia de ser "ator agressivo e belicoso"
Lavrov acusou os europeus de seguirem o "caminho que a NATO já traçou" para considerar que a UE está a confirmar a "tendência para a fusão com a Aliança do Atlântico Norte", de que "servirá, de facto, como um apêndice".
Rússia acusa União Europeia de ser "actor agressivo e belicoso"
O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, acusou esta sexta-feira a União Europeia (UE) de se ter tornado um "actor agressivo e belicoso", na sequência da guerra na Ucrânia.
"A UE passou de uma plataforma económica construtiva, tal como foi criada, a um actor agressivo e belicoso que já mostra as suas ambições muito para além do continente europeu", disse Lavrov numa conferência de imprensa em Dushanbe, a capital do Tajiquistão, citado pelas agências francesa AFP e espanhola EFE em declarações retomadas pela portuguesa Lusa.
A este respeito, manifestou "sérias dúvidas" de que o desejo da Ucrânia de se tornar rapidamente membro da UE seja inofensivo.
Lavrov acusou os europeus de seguirem o "caminho que a NATO já traçou" para considerar que a UE está a confirmar a "tendência para a fusão com a Aliança do Atlântico Norte", de que "servirá, de facto, como um apêndice".
Referiu-se também, ainda segundo a Lusa, a declarações da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, durante uma visita à Índia, no final de abril, sobre o reforço dos laços estratégicos com um país que declarou a sua neutralidade no conflito entre a Rússia e a Ucrânia.
"O resultado da guerra [na Ucrânia] não só determinará o futuro da Europa, como também afetará profundamente a região Indo-Pacífico", disse então a presidente da Comissão Europeia.
Moscovo vê a NATO, o seu antigo inimigo da Guerra Fria, como uma ameaça existencial e justificou a sua ofensiva na Ucrânia em parte pelas ambições de Kiev de aderir à Aliança Atlântica e pelo apoio político e militar ocidental ao vizinho da Rússia.
A UE, a par de países como os Estados Unidos ou o Japão, decretou sanções económicas duras contra a Rússia por ter invadido a Ucrânia, em 24 de fevereiro.
Na capital do Tajiquistão, Lavrov disse ter informado os seus homólogos da Comunidade de Estados Independentes (CEI) sobre as "consequências negativas que as ações absolutamente inaceitáveis do Ocidente têm em relação ao que está a acontecer na Ucrânia".
Criada em 1991, a CEI integra as antigas repúblicas soviéticas da Arménia, Azerbaijão, Bielorrússia, Cazaquistão, Federação Russa, Quirguistão, Moldava, Tajiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão.
O reforço da capacidade de combate de Moscovo
Sem que as autoridades militares russas o tenham desmentido, para a frente de combate, o Kremlin está a enviar largas dezenas de milhares de homens das unidades militares do centro e do oriente da Rússia, de forma a reforçar o poderio militar russo no Donbass, onde decorre aquela que os dois lados já admitiram que é a batalha decisiva, ou batalhas, desta guerra e que os especialistas miliares definem como sendo a expulsão das forças ucranianas das repúblicas independentistas de Donetsk e Lugansk, e a ligação terrestre entre o Donbass e a Península da Crimeia, o que daria a Moscovo o controlo sobre todo o Mar de Azov e uma boa parte do Mar Negro.
Segundo as informações disponíveis, e dependendo da fontes, do lado russo podem estar entre 120 e 160 mil militares em avanços lentos nas frentes de combate, com reforços permanentes vindo da Rússia, procurando, tanto de sul, como de Norte, avançar e cercar as entre 80 e 100 mil tropas ucranianas, que se concentram na frente do Donbass.
O foco das forças russas é não só expulsar os ucranianos das "suas" repúblicas do Donbass (Donetsk e Lugansk) como garantir que cortam a capacidade de os aliados de Kiev conseguirem fazer chegar o material militar, desde os mísseis anti-aéreos e anti-carro, Javelin e Stinger, às viaturas blindadas enviadas pelos EUA e aliados ocidentais, para o que estão a empregar centenas de mísseis de longo, médio e curto alcance, mas com forte precisão, como os M-54 Kalibr, que estão a ser disparados dos navios estacionados no Mar Negro e da Crimeia, e os 9K-720 Iskander, de menor alcance mas mais manobráveis porque podem ser deslocados em viaturas de rodas nas imediações do campo de batalha.
Com este armamento sofisticado, os russos estão a visar vias férreas, pontes e aeródromos ou mesmo aeroportos, como sucedeu na passada semana, em Odessa, onde o aeroporto desta que é uma das maiores cidades do país, foi parcialmente destruído porque ali estava armazenada grande quantidade de equipamento militar enviado do exterior pelos países da NATO.
Já os ucranianos, sem capacidade de acção aérea, procuram, através dos meios sofisticados que estão a receber dos seus aliados, com realce para os mísseis antiaéreo e anticarro Stinger e Javelin, cuja eficácia tem forçado as colunas russas a refrear os avanços, e que podem ser o factor de equilíbrio neste conflito, não só atrasar o avanço russo para os seus objectivos como ganhar tempo de forma a desgastar as forças russas a ponto de conseguir que o Kremlin aceite negociar de forma mais vantajosa para Kiev.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar paara a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 4,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.