Da frente de batalha, que está por estes dias concentrada na linha de demarcação do Donbass, território constituído pelas Repúblicas independentistas de Donetsk e Lugansk, e que é o objectivo concreto da auto-denominada "Operação Militar Especial" da Rússia na Ucrânia, chegam dados cada vez mais claros de que as forças de Moscovo estão a conseguir conquistar a quase totalidade desta região, persistindo fortes combates nas áreas de Kramatorsk, Izium e Severodonetsk.

Deste que este conflito começou, há quase três meses, a 24 de Fevereiro, estando hoje no 86º dia, o Presidente russo, Vladimir Putin, não recebia uma indicação melhor que aquela que o "inimigo" norte-americano lhe acaba de dar, depois de o Pentágono, a estrutura de comando superior militar dos EUA, admitir publicamente que "vai ser muito difícil" expulsar as forças russas do Donbass.

Isto é, praticamente, tudo o que Moscovo quer, e que tem como objectivo inicial, o reconhecimento de Kiev da Crimeia como território da Federação Russa e a aceitação da independência das Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, até aqui apenas reconhecidas oficialmente por Moscovo, embora, já mais recentemente, a região de Kherson, área geográfica limítrofe ao Donbass e à Península da Crimeia, tenha entrada também no "mapa" das conquistas territoriais russas.

O Pentágono quase convencido, mas ainda não totalmente

Apesar de alguns sucessos das forças ucranianas no nordeste, com a expulsão das forças russas de Kharkiv, a segunda maior cidade do país, embora alguns analistas militares sublinhem que tanto esta cidade como a capital, Kiev, só serviram aos estrategas russos, através de manobras de tácticas de deceção, para fixar longe do Donbass parte das melhores e mais bem equipadas tropas ucranianas, as unidades de combate do Kremlin estão a consolidar e a reforçar posições nestes territórios, afastando as linhas de defesa de Kiev para cada vez mais longe da linha de demarcação geográfica do Donbass.

Ao longo destes quase três meses de guerra na Ucrânia, a Rússia nunca esclareceu quais os objectivos concretos a atingir para dar a sua "operação especial" por concluída, mas alguns foi anunciando, como a questão de fundo que é a não adesão de Kiev à NATO, a desmilitarização da Ucrânia e a "desnazificação" do país, alegadamente porque Moscovo entende que as estruturas de poder na Ucrânia foram tomadas de assalto por elementos radicais nazi-fascistas, mas no capitulo territorial, além da anexação em 2014 da Crimeia que quer ver oficializada em Kiev, e da independência das republicas de Donetsk e Lugansk, pouco mais se foi sabendo.

Face a este cenário, e do que é possível perceber no mar de propaganda criado pelos dois lados da barricada, sejam os media ocidentais claramente empenhados na criação de uma ficção pró-ucraniana e os media russos, empenhados em vender a melhor imagem de Moscovo, a Crimeia é um dado adquirido e não deixará o "mapa" oficial da Federação Russa, e o Donbass é hoje um objectivo quase atingido, a ponto de os Estados Unidos da América já darem como "muito difícil" que as forças russas percam aquelas regiões dentro do Donbass.

Nas notícias que dão conta da admissão de dificuldades das forças ucranianas, apesar do empenhado, ilimitado e robusto apoio em material militar, em expulsar os russos do Donbass, o Pentagono sublinha que esta supremacia russa nesta geografia em disputa é resultado da acumulação de equipamento militar ao longo de muitos meses pré-conflito e não de uma capacidade de combate superior, o que torna o objectivo de manter a unidade territorial ucraniana especialmente difícil.

Recorde-se que o Donbass, território de maioria esmagadora russófona e russófila, é constituído pelas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, geograficamente confinantes com o território russo, a leste da Ucrânia, e ali ocorre uma guerra de baixa intensidade desde 2014 com o surgimento de movimentos independentistas após o golpe de Estado em Kiev, que acabou com a fuga do então Presidente pró-russo, Viktor Yanukovych, para Moscovo, ao mesmo tempo que a Crimeia era anexada após um referendo popular que optou de forma esmagadora pela saída da Ucrânia.

Esta admissão por parte do Pantágono emerge de um cenário onde a Rússia conseguiu, além da consolidação de posições cada vez mais profundas no Donbass, a libertação completa da cidade de Mariupol, com a rendição de quase 2 mil combatentes do Batalhão Azov, de cariz neo-nazi, e um controlo total da extensão territorial entre o Donbass, a Crimeia e a importante região (oblast) de Kherson, o que permite a Moscovo controlar toda a costa do Mar de Azov e uma boa parte do Mar Negro.

Estas conquistas, abrem, agora, a possibilidade de as forças russas avançarem para Odessa, embora isso não tenha ainda sido anunciado oficialmente pelo Kremlin como objectivo, culminando a totalidade da costa do Mar Negro e os seus mais importantes poros marítimos, por cair, se tiverem sucesso, nas mãos dos russos, ligando este corredor à Transnistria, região a este da Moldova, que, tal como o Donbass, é de maioria russófona e russófila.

Com este cenário em pano de fundo, como avança a Lusa, o Kremlin está "absolutamente convencido" da "libertação" do Donbass e da desmilitarização dos territórios vizinhos no leste da Ucrânia, após a rendição de quase todos os defensores de Azovstal.

"Em primeiro lugar, a libertação completa dos territórios históricos aguarda o Donbass. Estou absolutamente convencido de que o Exército russo e as milícias populares de Donetsk e Lugansk vão restaurar as fronteiras históricas", disse o vice-chefe da administração presidencial, Sergei Kiriyenko.

Sergei Kiriyenko enfatizou que Moscovo aspira "desmilitarizar os territórios vizinhos para que parem de lançar mísseis e morteiros no território do Donbass".

"O futuro de Donbass vai ser decidido pelos seus habitantes. Tenho a certeza de que vão ter essa hipótese", disse.

Washington ataca com a fome

Nos últimos dias, a questão do alastramento da fome no mundo como uma das consequências deste conflito tem feito um sólido percurso, com novas acusações à Rússia por parte dos países ocidentais porque Moscovo anunciou, logo após o início do conflito, tal como o Governo da Ucrânia, a suspensão de exportação de grande parte dos cereais que produz como garante da segurança alimentar próprias e, tratando-se dos dois maiores produtores de grãos do mundo, estes bens alimentares começaram a escassear de forma acelerada com o avançar da guerra.

Todavia, depois de as unidades navais russas terem dominado o Mar Negro e impedido o acesso aos portos ucranianos do sul do país, Kiev alterou o seu discurso e iniciou um processo de acusação a Moscovo de estar a impedir a Ucrânia de exportar os seus cereais, quando, na verdade, essa fora uma decisão soberana tomada logo no início da invasão russa.

Rússia e Ucrânia produzem mais de 35% de todo o trigo, milho, cevada e centeio no mundo e a Rússia e a Bielorrússia são ainda os maiores produtores planetários de fertilizantes, o que, por causa das sanções ocidentais e por decisão próprias, deixaram de estar disponíveis, levando os efeitos devastadores da guerra para os quatro cantos do mundo, embora com consequências mais desastrosas em África e na Ásia, onde o efeito está a ser mais devastador depois de a Índia ter suspendido as suas exportações de trigo por causa de uma dramática vaga de calor que pode perigar a segurança alimentar do país.

E é neste quadro que o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, acusou a Rússia de usar a fome como arma de guerra contra a Ucrânia e de pôr em perigo outros países devido ao seu bloqueio às exportações agrícolas ucranianas.

"O abastecimento de alimentos de milhões de ucranianos e de milhões de outras pessoas em todo o mundo está literalmente refém do exército russo", disse Blinken, citado pela Lusa, num debate aberto sobre conflitos e segurança alimentar, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, convocado pelos Estados Unidos.

Blinken acusou Moscovo de bloquear repetidamente o fornecimento de alimentos e outros bens básicos a civis presos em cidades sitiadas para "alcançar o que sua invasão não foi capaz de fazer: quebrar o espírito dos ucranianos", além de destruir armazéns de alimentos e roubar cereais e outros produtos.

Segundo o secretário de Estado, a Rússia está a violar flagrantemente a resolução do próprio Conselho de Segurança que condena esse tipo de estratégia e "é o mais recente exemplo de um Governo que usa a fome de civis para tentar avançar nos seus objectivos".

Ao mesmo tempo, Blinken lembrou que os ucranianos não são os únicos que sofrem as consequências da guerra, uma vez que o conflito está a elevar os preços dos alimentos e a agravar a crise de fome que já está a ser vivida em muitos países.

Blinken, que na quarta-feira presidiu a uma reunião ministerial sobre o assunto, exigiu mais uma vez que Moscovo pare de "bloquear os portos do Mar Negro e do Mar de Azov" para que a Ucrânia possa exportar os milhões de toneladas de cereais que tem armazenados e que são fundamentais para muitas áreas de África e do Médio Oriente.

Além disso, o secretário de Estado norte-americano acusou Moscovo de ameaçar restringir as suas próprias exportações de alimentos e fertilizantes para países que criticam a sua invasão.

Os EUA estão a procurar soluções para quebrar ou contornar o bloqueio naval russo aos portos ucranianos do Mar Negro. Uma possibilidade é, através de uma proposta, segundo o site Russia Today, à Bielorrússia para, em troca do levantamento de sanções a Minsk, o Presidente Alexander Lukashenko autorizar o envio dos cereais ucranianos por via férrea até aos portos do Báltico atravessando o seu país.

A outra solução em análise, segundo a Reuters, citada pelos media russos, é pelo envio de até aqui ausentes do campo de batalha, mísseis anti-navio NSM e Harpoon, com capacidade de atingir alvos entre 250 e 300 kms, o que poderia abrir um corredor marítimo por onde os cargueiros cerealíferos possam passar para levar o grão ucraniano ao mundo.

A resposta russa foi imediata...

O embaixador da Rússia junto das Nações Unidas, Vasily Nebenzya, contestou as declarações de Bliken e afirmou que a crise alimentar começou antes da operação da Rússia na Ucrânia.

"Os diplomatas aqui presentes dão a entender que a Rússia quer matar o mundo à fome e que apenas a Ucrânia e o ocidente se preocupam com a fome no mundo. Mas é tudo falso. Vamos lembrar que a ameaça de uma crise alimentar global não surgiu este ano", disse Nebenzya.

"A possibilidade de uma fome de proporções bíblicas e uma tempestade perfeita foi anunciada em 2020 pelo director executivo do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas, que está a participar nesta reunião", advogou o diplomata russo, acrescentando que já na época, cerca de 155 milhões de pessoas em 55 países estavam expostas a ameaças graves no campo da segurança alimentar.

Vasily Nebenzya expressou também suspeitas sobre a exportação de cereais ucranianos para instalações de armazenamento de países europeus.

"Temos suspeitas razoáveis de que esses cereais não estão a atender às necessidades dos países famintos, mas estão a ser bombeados para os celeiros dos países europeus. Até onde sabemos, a Ucrânia está a pagar por armas fornecidas pelo ocidente", insinuou Nebenzya.

O russo insinuou ainda que os portos ucranianos estão bloqueados pela Ucrânia, pelas minas espalhadas pelo país ao longo das margens do Mar Negro e, pela falta de vontade de Kiev em cooperar com os armadores para libertar dezenas de navios estrangeiros.

O embaixador insurgiu-se mais uma vez a imposição de sanções ocidentais contra o seu país, assegurando que as consequências agravam a insegurança alimentar.

Ainda segundo o representante permanente russo, um factor importante que influenciou a deterioração da situação alimentar no mundo foi "uma transição abrupta para a energia verde imposta a todo o mundo, em vez de uma transição energética suave e bem pensada, bem como a franca politização da cooperação energética por vários países".

Facto indesmentível é que esta guerra continua e os seus efeitos em todo o mundo vão crescer de forma exponencial, com um risco claro, como vem alertando o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, de atingir proporções, seja no âmbito da insegurança alimentar, seja nos efeitos sobre a economia mundial, jamais visto, sendo ainda de acrescentar que o grande combate da Humanidade pela sua sobrevivência, que é contra as alterações climáticas, está a atrasar-se de forma perigosa.

O reforço da capacidade de combate de Moscovo

Sem que as autoridades militares russas o tenham desmentido, para a frente de combate, o Kremlin está a enviar largas dezenas de milhares de homens das unidades militares do centro e do oriente da Rússia, de forma a reforçar o poderio militar russo no Donbass, onde decorre aquela que os dois lados já admitiram que é a batalha decisiva, ou batalhas, desta guerra e que os especialistas miliares definem como sendo a expulsão das forças ucranianas das repúblicas independentistas de Donetsk e Lugansk, e a ligação terrestre entre o Donbass e a Península da Crimeia, o que daria a Moscovo o controlo sobre todo o Mar de Azov e uma boa parte do Mar Negro.

Segundo as informações disponíveis, e dependendo das fontes, do lado russo podem estar entre 120 e 160 mil militares em avanços lentos nas frentes de combate, com reforços permanentes vindo da Rússia, procurando, tanto de sul, como de Norte, avançar e cercar as entre 80 e 100 mil tropas ucranianas, que se concentram na frente do Donbass.

O foco das forças russas é não só expulsar os ucranianos das "suas" repúblicas do Donbass (Donetsk e Lugansk) como garantir que cortam a capacidade de os aliados de Kiev conseguirem fazer chegar o material militar, desde os mísseis anti-aéreos e anti-carro, Javelin e Stinger, às viaturas blindadas enviadas pelos EUA e aliados ocidentais, para o que estão a empregar centenas de mísseis de longo, médio e curto alcance, mas com forte precisão, como os M-54 Kalibr, que estão a ser disparados dos navios estacionados no Mar Negro e da Crimeia, e os 9K-720 Iskander, de menor alcance mas mais manobráveis porque podem ser deslocados em viaturas de rodas nas imediações do campo de batalha.

Com este armamento sofisticado, os russos estão a visar vias férreas, pontes e aeródromos ou mesmo aeroportos, como sucedeu na passada semana, em Odessa, onde o aeroporto desta que é uma das maiores cidades do país, foi parcialmente destruído porque ali estava armazenada grande quantidade de equipamento militar enviado do exterior pelos países da NATO.

Já os ucranianos, sem capacidade de acção aérea, procuram, através dos meios sofisticados que estão a receber dos seus aliados, com realce para os mísseis antiaéreo e anticarro Stinger e Javelin, cuja eficácia tem forçado as colunas russas a refrear os avanços, e que podem ser o factor de equilíbrio neste conflito, não só atrasar o avanço russo para os seus objectivos como ganhar tempo de forma a desgastar as forças russas a ponto de conseguir que o Kremlin aceite negociar de forma mais vantajosa para Kiev.

Nos últimos dias, as unidades de combate ucranianas retomaram a cidade de Kahrkiv, a apenas 50 kms da Rússia, no norte da Ucrânia, chegando mesmo à fronteira do país vizinho. No entanto, esta reconquista ucraniana por não ter grande valor militar porque as forças russas, segundo alguns analistas, só permaneciam na cidade como forma de fixar forças ucranianas mantendo-as afastadas do foco principal da guerra, que é a região do Donbass.

ontexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar paara a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 4,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.