Esta analogia feita por Volodymyr Zelensky na resposta a Kissinger, feita através de mais um vídeo divulgado nas redes sociais, tem como objectivo comparar a sua proposta para acabar com a guerra, que começou a 24 de Fevereiro com a invasão das forças do Kremlin, aconselhando Kiev ao pragmatismo e a conceder território a Moscovo.

Entre esse território a ceder estará, se a proposta de Kissinger fosse levada em consideração, as repúblicas do Donbass, Donetsk e Lugansk, e a Crimeia, com a possibilidade de outras regiões a sul, de forma a apaziguar os russos mas que o Governo de Kiev diz agora, pela voz do seu Presidente, que Putin faria o mesmo que Hitler em 1939, vendo nessa cedência uma fraqueza e iria continuar a sua agressão, não apenas na Ucrânia.

Zelensky disse que o antigo chefe da diplomacia norte-americana, nas décadas de 1960 e 1970, servindo os Presidentes Richard Nixon e Gerald Ford, que este "emerge do profundo dos tempos para dizer que os ucranianos têm de dar terras aos russos" sem, sequer, considerar o que pensam as pessoas comuns que têm familiares a morrer para defenderem com as suas vidas o país.

"Por detrás destas teses geopolíticas e especulações geopolíticas dos que defendem a cedência de territórios, está um enorme desrespeito pelo povo", apontou, acrescentando: "Milhões destes que vivem nos territórios que eles querem entregar pela ilusão da paz devem ser tidos em conta. Devemos sempre ver as pessoas primeiro".

O que disse Kissinger

Aos países ocidentais que estão a sustentar o esforço de guerra ucraniano, especialmente aos Estados Unidos, que já fizeram chegar a Kiev 53 mil milhões USD e milhões de toneladas em equipamento militar diversificado, Henry Kissinger, de 98 anos, apontou como caminho a seguir deixar de ter como objectivo estratégico uma derrota da Rússia na Ucrânia.

"Idealmente, o ocidente tem de garantir que deixa de perseguir a derrota da Rússia e consegue acabar com o conflito em menos de dois meses porque, para lá desse prazo, a guerra deixará de ser pela libertação da Ucrânia e passará a ser uma guerra exclusivamente contra a Rússia", disse.

Depois de um discurso do Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky na abertura do Fórum de Davos, onde este voltou a pedir ao mundo que se una para embargar o crude russo, sancione todos os seus bancos e apoie militarmente, como nunca o fez antes, o seu país de forma a que a Rússia não volte, pela força bruta, a interferir na paz do mundo, Kissinger optou por apontar noutro caminho, fazendo jus ao seu cognome de mestre da "realpolitik", conceito que coloca o pragmatismo face aos dados conhecidos à frente de objectivos por vezes considerados mais nobres mas menos exequíveis.

E nesse sentido, o secretário de Estado e Conselheiro dos Presidentes Nixon (1969 - 1974) e Ford (1974-1977), aconselhou o ocidente a deixar de lado "a moda do momento", referindo-se ao apoio incondicional à Ucrânia, e colocar como foco principal não esquecer que a Rússia é uma potência na Europa e que se não o fizer rapidamente, poderá colocar em definitivo este gigante militar e económico, enquanto fonte de recursos naturais insubstituíveis, no colo da China.

Ainda apontou como urgente que Kiev encete negociações com Moscovo para evitar que a situação chegue a um ponto de não retorno com consequências imprevisíveis, acrescentando esperar que "os ucranianos consigam conjugar o heroísmo da sua resistência com sabedoria".

E lembrou que a Rússia é uma "parte essencial da Europa há mais de quatro séculos" o que nenhum líder europeu pode ignorar numa perspectiva de longo termo se não quiserem que Moscovo se vire total e definitivamente para oriente e se alie de forma incondicional com Pequim.

... e a guerra continua

A Rússia está a aumentar de forma inequívoca os seus ataques a infra-estruturas de interesse militar na Ucrânia com recurso a mísseis de longo alcance e de precisão, como os Iskander ou os Kalibr, disparados de sistemas móveis terrestres, os primeiros, e de navios ou submarinos estacionados no Mar Negro.

Segundo informações veiculadas já esta quarta-feira, mais de 360 militares ucranianos podem ter morrido num ataque com quatro misseis a uma unidade militar de trânsito para a linha da frente, vários armazéns de material de guerra fornecido pela União Europeia e pelos EUA foram igualmente destruídos, provocando uma fragilização considerada importante da capacidade de resiliência das forças ucranianas.

A par destas informações, como lembrou o especialista militar ouvido pela CNN, o major-general Carlos Branco, sendo a região do Donbass a principal frente de batalha, ali as forças russas já conseguiram cercar mais de 15 mil tropas ucranianas, na área de Severodonetsk, na república independentista de Lugansk, com um previsível desfecho trágico para os defensores nacionais ucranianos.

Porém, de acordo com o Governo de Kiev, depois de vários dias a anunciar que uma vitória ucraniana estaria mais próxima que nunca, esta guerra pode agora prolongar-se por muito tempo.

A guerra entre a Ucrânia e a Rússia está a entrar numa "fase prolongada", com Moscovo à procura do controlo total da região do Donbass e da ocupação do sul, realçou esta terça-feira o ministro da Defesa ucraniano.

"A Rússia está a preparar-se para uma operação militar de longo prazo. A guerra está a entrar numa fase prolongada", salientou, citado pela Lusa, Oleksiy Reznikov, numa declaração aos ministros da Defesa da União Europeia (UE) e ao secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg.

Oleksiy Reznikov referiu que as forças russas estão actualmente a fortalecer as suas posições nos territórios que ocupam nas regiões de Zaporizhia e Kherson, para "entrarem em modo defensivo, se necessário".

"Actualmente, os principais esforços do Kremlin [presidência russa] estão focados em tentativas de cercar e destruir a consolidação das forças armadas ucranianas nas regiões de Donetsk e Lugansk", no leste do país, em parte nas mãos de separatistas pró-Rússia, analisou ainda.

O ministro da Defesa ucraniano também apontou como objectivo de Moscovo a "criação de um corredor terrestre que ligue a Rússia à Crimeia", península anexada pela Rússia em 2014, bem como a ocupação de "todo o sul da Ucrânia".

No discurso divulgado na rede social Facebook, Oleksiy Reznikov pediu aos aliados ocidentais da Ucrânia uma maior coordenação nas entregas de armas a Kiev "para libertar os territórios ucranianos o mais depressa possível".

Face a estes relatos preocupantes para, não só a capacidade de resistência ucraniana, mas essencialmente os efeitos crescentemente negativos deste conflito nas economias dos países europeus, Volodymyr Zelensky voltou a falar longamente com o Presidente francês, Emmanuel Macron, e com o chanceler Olaf Scholz, com essa preocupação em cima da mesa.

No Twitter, Zelensky explicou que estas conversas versaram sobre o que está a suceder ao nível do resgate - Moscovo diz que se tratou de uma rendição em massa - dos militares entrincheirados na metalúrgica Azovstal, em Mariupol, com mais de 260 a deixarem o local na terça-feira, dezenas gravemente feridos, permanecendo no local entre 700 e 800.

No entanto, de acordo com alguns analistas, o que o eixo franco-alemão está a procurar de forma célere é criar condições para que este conflito termine e com ele as severas consequências económicas para a economia do mundo, que começa a gerar fortes preocupações não só devido ao desemprego e à inflação no ocidente mas também uma crise galopante de insegurança alimentar com geografia cada vez mais alargada, da África à Ásia, passando ainda pela América Latina...

Para o "espectáculo" que esconde as verdadeiras preocupações dos líderes europeus, tanto Kiev como Moscovo deixaram crescer mais uma guerra de propaganda com enfoque na saída de combatentes da Azovstal, com os ucranianos a dizerem que se tratou de um resgate dos seus "heróis" enquanto os russos sublinham que se tratou de uma rendição, como o confirma o facto de todos eles terem sido conduzidos, os feridos, para hospitais russos, e os restentes para campos de prisioneiros em território controlado pelos independentistas de Donetsk pró-russos.

O reforço da capacidade de combate de Moscovo

Sem que as autoridades militares russas o tenham desmentido, para a frente de combate, o Kremlin está a enviar largas dezenas de milhares de homens das unidades militares do centro e do oriente da Rússia, de forma a reforçar o poderio militar russo no Donbass, onde decorre aquela que os dois lados já admitiram que é a batalha decisiva, ou batalhas, desta guerra e que os especialistas miliares definem como sendo a expulsão das forças ucranianas das repúblicas independentistas de Donetsk e Lugansk, e a ligação terrestre entre o Donbass e a Península da Crimeia, o que daria a Moscovo o controlo sobre todo o Mar de Azov e uma boa parte do Mar Negro.

Segundo as informações disponíveis, e dependendo das fontes, do lado russo podem estar entre 120 e 160 mil militares em avanços lentos nas frentes de combate, com reforços permanentes vindo da Rússia, procurando, tanto de sul, como de Norte, avançar e cercar as entre 80 e 100 mil tropas ucranianas, que se concentram na frente do Donbass.

O foco das forças russas é não só expulsar os ucranianos das "suas" repúblicas do Donbass (Donetsk e Lugansk) como garantir que cortam a capacidade de os aliados de Kiev conseguirem fazer chegar o material militar, desde os mísseis anti-aéreos e anti-carro, Javelin e Stinger, às viaturas blindadas enviadas pelos EUA e aliados ocidentais, para o que estão a empregar centenas de mísseis de longo, médio e curto alcance, mas com forte precisão, como os M-54 Kalibr, que estão a ser disparados dos navios estacionados no Mar Negro e da Crimeia, e os 9K-720 Iskander, de menor alcance mas mais manobráveis porque podem ser deslocados em viaturas de rodas nas imediações do campo de batalha.

Com este armamento sofisticado, os russos estão a visar vias férreas, pontes e aeródromos ou mesmo aeroportos, como sucedeu na passada semana, em Odessa, onde o aeroporto desta que é uma das maiores cidades do país, foi parcialmente destruído porque ali estava armazenada grande quantidade de equipamento militar enviado do exterior pelos países da NATO.

Já os ucranianos, sem capacidade de acção aérea, procuram, através dos meios sofisticados que estão a receber dos seus aliados, com realce para os mísseis antiaéreo e anticarro Stinger e Javelin, cuja eficácia tem forçado as colunas russas a refrear os avanços, e que podem ser o factor de equilíbrio neste conflito, não só atrasar o avanço russo para os seus objectivos como ganhar tempo de forma a desgastar as forças russas a ponto de conseguir que o Kremlin aceite negociar de forma mais vantajosa para Kiev.

Nos últimos dias, as unidades de combate ucranianas retomaram a cidade de Kahrkiv, a apenas 50 kms da Rússia, no norte da Ucrânia, chegando mesmo à fronteira do país vizinho. No entanto, esta reconquista ucraniana por não ter grande valor militar porque as forças russas, segundo alguns analistas, só permaneciam na cidade como forma de fixar forças ucranianas mantendo-as afastadas do foco principal da guerra, que é a região do Donbass.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar paara a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 4,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.