Não é segredo, e os especialistas militares não o escondem, que a guerra na Ucrânia já não é apenas um conflito entre russos e ucranianos, é uma guerra por procuração entre a NATO, liderada pelos EUA e pelo Reino Unido como maiores instigadores à continuidade beligerante para conduzir o Kremlin a uma derrota pesada no campo de batalha, como o têm dito publicamente os Secretários de Estado, Antony Blinken, e da Defesa, Lloyd Austin, dos Estados Unidos, pela ministra dos Negócios Estrangeiros britânica, Liz Truss, e pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
E toda a planificação das etapas em escalada na qualidade e quantidade de envio de armamento da NATO para a Ucrânia tem obedecido a um objectivo de confrontação no limite em que os EUA e os seus aliados conseguem não dar o último passo antes de um confronto directo com a Rússia, evitando assim a escalada que levaria à III Guerra Mundial e, consequentemente, como os Presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e dos EUA, Joe Biden, já admitiram que seria inevitável, a um catastrófico recurso aos arsenais nucleares.
Quase a atingir os 100 dias de guerra - hoje é o 99º dia após as colunas russas avançarem sobre a Ucrânia, a 24 de Fevereiro -, esse jogo perigoso em cima da linha vermelha que está a ser jogado pelos EUA e aliados europeus pode estar a tornar-se escaldante com Moscovo, através do chefe da sua diplomacia, Sergei Lavrov, primeiro, ter vindo a público advertir para a "atitude irresponsável" que consistiu na entrega dos MRLS norte-americanos aos ucranianos, deixando a pairar no ar a ideia de que a Rússia não deixará de agir. Por estes dias foram iniciados exercícios militares russos para operacionalizar o seu arsenal nuclear.
A diplomacia russa fez ainda saber que estas armas aumentam o risco de forma significativa do arrastamento de outros países para a guerra e que Moscovo encara essa possibilidade de forma "extremamente negativa" mas não a pode ignorar.
A escalada em curso é evidente e ficou ainda mais exposta quando, ao final do dia de quarta-feira, o chefe do Centro de Gestão da Defesa da Federação Russa, general Mikhail Mizintsev, veio anunciar, citado pelas agências, substanciando a denúncia em comunicações interceptadas aos ucranianos, embora estas não tenham sido mostradas publicamente, que Kiev está a planear atacar território russo com recurso às novas armas norte-americanas como forma de envolver explicitamente Washington e a NATO no conflito.
Recorde-se que desde o início desta guerra que o Governo ucraniano de Volodymyr Zelensky e o polaco, liderado pelo primeiro-ministro Mateusz Morawiecki, um dos mais aguerridos defensores do envio de tropas da NATO para combaterem os russos directamente, têm empenhado toda a sua capacidade de influência sobre os EUA para a criação de uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia, o que levaria a inevitáveis combates aéreos entre NATO e a Federação Russa, dando, desse modo, o pontapé de saída para a III Guerra Mundial, o que ambos mostraram seu aceitável face à invasão russa, embora Washington se tenha sempre oposto a fazê-lo para impedir a desastrosa escalada bélica para fora das fronteiras ucranianas.
O general russo responsável pelo Centro de Gestão de Defesa do país, sempre sustentando as afirmações em comunicações interceptadas, adiantou mesmo que os ataques a efectuar pelos ucranianos para lá das linhas de fronteira da Rússia vão ser desferidos a partir da localidade de Shostkha, nordeste da Ucrânia, onde Moscovo prevê que já estejam os MRLS para o efeito.
Isto, a acontecer, embora possa ser, naturalmente, parte das manobras comunicacionais que ambos os lados usam de forma intensa, seria um choque de frente com as garantais dadas por Kiev ao Presidente Biden de que estas armas não teriam esse fim em nenhuma circunstância.
Esta arma, os MRLS, ou HIMARS (Sistema Múltiplo de Lançamento de Roquetes de Alta Mobilidade), é uma peça de artilharia de alta precisão, com dois modelos em uso pelos EUA, um, mais móvel, com rodas, o M142, que lança projecteis a distâncias de até 80 kms, e outro, de lagartas, o M270, com capacidade para lançar misseis até entre 300 e 600 kms, ambos os modelos estão adaptados para munições de diferentes calibres, sendo que, para já, não se sabe se para a Ucrânia foram enviados os dois modelos ou apenas o M142, de menor alcance e menor risco de ser empregue para atingir alvos dentro do território russo.
Os avanços e recuos dos combatentes
Para já, quando ainda não se soube de qualquer ataque feito com usso dos MRLS norte-americanos, as forças russas ganham terreno no Donbass, onde se centra a sua actividade militar principal, de forma a "libertar" os territórios das Repúblicas separatistas de Lugansk, que está a 95% feito, e de Donetsk, substancialmente mais atrasado o avanço de Moscovo.
Os focos principais desta guerra no leste europeu, focada no leste ucraniano, são, por estes dias, a cidade de Severodonetsk e os espaços limítrofes imediatos, sendo este o derradeiro bastião da resistência ucraniana nesta região. Aqui as forças russas estão a somar vitórias constantes.
As tentativas de avanço russas estão a ser menos bem sucedidas, somando mesmo pesadas derrotas territoriais, na região de Kharkiv, a norte, embora os especialistas militares sublinhem que o mais provável é que os russos mantenham pressão estratégica nesta cidade para fixar forças ucranianas que poderiam, de outra forma, ser deslocadas para o Donbass, onde está o objectivo maior do Kremlin.
No sul, com a libertação do corredor terrestre entre Mariupol e a Península da Crimeia deixou os russos sem pressão de combate e na província adjacente de Kherson, embora os media estejam a anunciar há dias uma contra-ofensiva ucraniana em larga escala, para já, o domínio é das tropas russas.
Cenário global
Neste contexto mais alargado subjacente a este conflito, há muito que as frentes de batalha não se limitam ao território geográfico ucraniano.
Quando o mundo se depara com um alastramento perigoso da insegurança alimentar, com machas de fome severa a alastrar pela Ásia e por África, com maior ênfase, por causa do fecho da porta às exportações de cereais da Rússia e das Ucrânia, multiplicam-se esforços, com a ONU a mostrar grande preocupação, para levar Moscovo a libertar os seus cereais para o mercado global e à Ucrânia é pedido que use outras formas de exportar os seus que não com o usos dos portos marítimos do Mar Negro.
Isto é fulcral porque Rússia e Ucrânia são os celeiros do mundo, os maiores, de longe, produtores de cereais do planeta, com mais de 30% do total, especialmente trigo, girassol e cevada, além de fertilizantes sem os quais da América Latina aos confins da Índia as produções esmorecem brutalmente.
Um dos problemas é que, por causa da guerra, e do bloqueio naval russo no Mar Negro, a Ucrânia está impedida de exportar os seus cereais, isto, apesar de o Governo de Kiev, no início da guerra, ter anunciado que, por razões de segurança alimentar nacional, iria suspender as exportações.
Com a intervenção da ONU, da Turquia e da União Europeia, estão a decorrer esforços que desanuviem a situação e os cereais ucranianos e russos possam chegar onde estão a fazer falta como nunca, sendo que a par da míngua de oferta o mundo depara-se com os valores recorde a que estes estão a ser vendidos nos mercados, com o trigo, por exemplo, a aumentar mais de 45% nestes meses, chegando a custar quase 500 USD a tonelada.
A Rússia, além de exigir que Kiev limpe o mar das minas marítimas que espalhou no Mar Negro, exige ainda, para reabrir as suas exportações, que o ocidente levante as pesadas sanções a que o país está sujeito, sendo as mais duras jamais aplicadas a um Estado, de sempre.
Este é já o mais melindroso tema da actualidade em consequência da guerra na Ucrânia, ultrapassando em consequências humanitárias, de longe, a alta gigantesca nos preços dos petróleo e dos combustíveis refinados, igualmente em preços recorde.
Hungria trava sanções europeias
Budapeste não concorda com as sanções aplicadas pela União Europeia ao Patriarca russo da igreja ortodoxa, Cirilo I, e está a impedir a prossecução do 6º pacote de sanções de Bruxelas a Moscovo que abrange o embargo de até 90% do petróleo russo até final de 2022, sendo a Hungria umas das excepções, o que permitiu aos 27 afinar agulhas nesta nova ronda de sanções.
Mas, a Hungria, que era quem estava a travar o acordo por causa do crude, voltou agora à carga por causa das sanções contra Cirilo I, um dos leais aliados de Putin, apesar de chefe da Igreja, tendo mesmo uma das frases mais estranhas desta guerra, apoiando-a sob a perspectiva de que se trata de "um conflito metafísico", ou seja, de natureza divina.
Este pacote de sanções, de longe o de maior impacto, porque incide directamente na principal fonte de receitas do Governo russo, que é a sua exportação de hidrocarbonetos, com as quais, só dos europeus, encaixa, diariamente, mais de 800 milhões USD, embora estas medidas, as mais duras desde o início do conflito, a 24 de Fevereiro, deixem de fora cerca de 25% das exportações para a Europa ocidental e a totalidade do gás, que é a principal fonte de receitas do sector energético do Kremlin.
Os europeus têm em cima da mesa, em permanência, com o empenho nesse sentido incansável da presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, do chefe da diplomacia dos 27, Josep Borrell, e do presidente do Conselho, Charles Michel, alargar as sanções a todo o sector energético, embora com o gás seja mais complexo, porque atinge directamente o coração da economia europeia, que é a Alemanha, e, embora menos intensamente, outros países importantes, como a Itália, a Áustria, a França...
Entre as sanções, contribuindo para que este seja o mais severo pacote de sanções atirado contra o Kremlin, está ainda a expulsão do Sberbank, o maior banco russo, do sistema SWIFT, que permite uma agilidade inigualável nos pagamentos internacionais, e restrições pesadas a várias figuras do regime russo, incluindo o chefe da igreja ortodoxa e leal apoiante de Putin, Cirilo I, além da eliminação de mais media russos do universo mediático da UE.
A resposta do Kremlin
Estas novas sanções não apanharam o Kremlin de surpresa, que já tem vindo a procurar diluir o impacto de medidas coo esta agora anunciada tendo-se virado há largos meses para oriente, fornecendo milhões de barris de crude com fortes descontos, à China e a à Índia, havendo ainda um fluxo intensificado para outras potências asiáticas, que, em grande medida, amortece esta interrupção das exportações para a Europa Ocidental.
Apesar de esta medida do bloco dos 27 só estar previsto a ter efeito no final de 2022, os efeitos nos mercados foram imediatos e, segundo alguns analistas, enquanto a compra não é interrompida, o barril vai ser vendido muito acima do seu valor de antes do anúncio deste 6º pacote de sanções, beneficiando claramente os países exportadores - a Rússia é o 2º maior exportador do mundo -, o que pode permitir a Moscovo acomodar financeiramente as perdas esperadas para o pós embargo.
Sendo que os Estados-membros da UE têm agora pouco mais de meio ano para a difícil tarefa de encontrar fornecimento alternativo à matéria-prima russa, porque o mundo vive um período de afunilamento da produção devido aos fortes desinvestimentos na pesquisa e produção desde 2014, altura de forte perda de valor do barril de petróleo.
Com este cenário em pano de fundo, no qual sobressai o facto de a Rússia estar a receber entre 700 e 800 milhões USD por dia em receitas da venda de crude e de gás, o que poderá sofrer um rombo nos próximos meses com a aplicação deste embargo europeu, o Kremlin respondeu, segundo a agência de notícias oficial, a TASS, à UE através do seu representante para as organizações internacionais em Viena de Áustria, Mikhail Ulyanov, afirmando que esta decisão "mostra fragilidades no seio da União Europeia porque é uma contradição, e uma alteração súbita, com o que a presidente da Comissão Europeia vinha dizendo".
Numa nota publicada nas redes sociais, Ulyanov, ainda segundo a TASS, avisa os europeus do bloco dos 27 que a Rússia vai "encontrar novos importadores" para o seu crude, embora a maior parte dos analistas afirme que, esse redireccionamento das exportações possa reduzir o impacto esperado por Bruxelas, dificilmente fará esquecer os cerca de 750 milhões USD que são entregues, até aqui, diariamente pelos 27 a Moscovo.
Kiev quer mais
Apesar de se tratar do mais pesado pacote de sanções da UE à Rússia, o Governo de Kiev não está satisfeito e quer mais.
Segundo noticiam as agências internacionais, um dos conselheiros mais próximos do Presidente ucraniano, Ihor Zhovkva, "além de ficar aquém do necessário, as sanções europeias são demasiado lentas, o que é um sublinhado ao que Volodymyr Zelensky tinha dito antes, entendendo este ser incompreensível como os europeus tardam tanto a chegar a um entendimento para a óbvia necessidade de apertar ainda mais com Moscovo.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar paara a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da
Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 4,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.