A visita de Sergei Lavrov a Belgrado, para se encontrar com o Presidente Aleksandar Vucic, tinha por justificação marcar a eleição do Chefe de Estado sérvio e reforçar a cooperação entre os dois países, aliados próximos e com relações comerciais, culturais e religiosas históricas, cujo significado político mais evidente é a Rússia mostrar que, apesar dos esforços ocidentais, não está isolada internacionalmente.

Mas a Bulgária, a Macedónia do Norte e o Montenegro, três dos mais débeis, economicamente, mais débeis países da Europa mostraram que esse objectivo não será fácil de alcançar e o chefe da diplomacia russa ficou em terra.

Este gesto dos países europeus - apenas a Bulgária é um membro da União Europeia - foi encarado como inamistoso por Moscovo e não está a ajudar no ténue mas já visível esforço de algumas capitais europeias em procurar aliviar as relações com o Kremlin devido às pesadas consequências económicas que estão a ser sentidas pelos países ocidentais devido às sanções aplicadas à Rússia após a invasão da Ucrânia.

A porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova, disse, citada pela TASS, que esta atitude significa "mais um canal de comunicação que se fecha" entre a Rússia e os países ocidentais.

E, numa nota de humor, uma fonte do Kremlin disse à agência Interfax que a diplomacia russa vai, finalmente, chegar à teletransportação - movimento de matéria de um local para outro transformada em energia e voltando à forma inicial chegado ao destino, sendo que tal nunca foi feito e é apenas uma hipótese baseada em fórmulas criadas pelo físico teórico Albert Einstein - para saltar estes obstáculos.

A resposta russa ao envio dos temíveis HIMARS

Se a atitude inamistosa para com Sergei Lavrov quando este pretendia ir a Belgrado caiu mal no Kremlin, a questão do envio em grandes quantidades de novos sistemas de grande mobilidade de lançamento de mísseis (HIMARS) norte-americanos, os M142 e M270, para a Ucrânia, cuja eficácia, precisão e poder explosivo estão a tirar o sossego a Putin e aos seus generais, é claramente uma fase deste xadrez mais complexa e perigosa.

Depois de os EUA terem anunciado que vão enviar para a Ucrânia um conjunto de HIMARS, os M142, a versão mais ligeira deste equipamento sofisticado e novo no arsenal enviado para apoiar Kiev, o Reino Unido acaba de informar que vai subir a parada e enviar para a frente de batalha os pesados M270, cujos projecteis podem atingir 400 kms e, segundo alguns analistas militares, podem alterar o curso da guerra ou, pelo menos, equilibrar o poder de fogo, actualmente mais favorável aos russos.

Depois de ter dito, no fim-de-semana, que as forças russas estão a destruir às dezenas as peças de artilharia pesada oferecidas à Ucrânia pelo ocidente, o Presidente Vladimir Putin vem agora dizer, deixando perceber o seu incómodo com este reforço das linhas de defesa ucranianas, que se estas unidades, os HIMARS, chegarem à frente de batalha, a Rússia vai "atacar alvos que até agora foram poupados" ao Governo ucraniano, embora sem especificar.

Alguns observadores ocidentais admitem que o senhor do Kremlin pode estar a referir-se a estruturas que albergam departamentos governamentais, como o Ministério da Defesa ou dos serviços secretos ucranianos, ou ainda infra-estruturas públicas, como aeroportos e caminhos-de-ferro, que ligam Kiev ao mundo.

Em declarações à Russia 24, um canal estatal russo, Putin, sublinhou que a resposta a este reforço ocidental da capacidade militar ucraniana é um passo de grande relevo na escalada daquilo a que chama "operação militar especial" na Ucrânia.

Sem que se saiba se existe uma ligação de causa e efeito, a capital ucraniana, Kiev, voltou, nas últimas horas, a ser alvo de ataques por mísseis russos de longo alcance e precisão - o que já não acontecia há mais de um mês, por ocasião da visita do SG da ONU, António Guterres -, supostamente lançados de navios estacionados no Mar Negro, que destruíram armazéns de material militar.

E o risco maior, pelos dados conhecidos, chega de Londres, onde o primeiro-ministro Boris Johnson, que é o mais acérrimo "falcão" ocidental na procura de desferir uma derrota pesada à Rússia nesta guerra por procuração dos países da NATO na Ucrânia, enfrenta um momento de "vida ou de morte" no Parlamento, com uma moção de desconfiança de iniciativa do seu próprio lado, os Conservadores, devido à forte polémica das festas em Downing Street em tempo de confinamento pandémico e face ao brutal impacto negativo da guerra na Ucrânia na economia britânica, tal como sucede com a generalidade das maiores economias mundiais.

Isto, porque alguns comentadores britânicos admitem já que o empenho hiperactivo de Johnson na guerra na Ucrânia tem como objectivo camuflado desviar as atenções dos problemas políticos internos, que, se esta moção de desconfiança correr mal, acabarão por se sobrepor.

Mas este passo adiante no papel cada vez mais preponderante do Reino Unido nesta guerra, pode ser perigosamente irreflectido porque um dos problemas, que, inclusive, foi admitido por Joe Biden, é que estes equipamentos têm um muito maior alcance que as peças de artilharia disponíveis nas unidades de combate ucranianas e o seu longo alcance, mesmo que os projecteis enviados com as peças sejam de menor alcance, cerca de 80 kms, estas podem ser usadas para atacar alvos no interior da Rússia, o que levaria a uma situação de grande instabilidade e sem precedentes.

Especialmente porque, na generalidade dos pontos de vista especializados, está é já uma guerra por procuração onde uma coligação internacional ocidental, liderada pelos EUA, se bate com a Federação Russa através do uso instrumental das forças ucranianas, e onde o objectivo, como foi já sublinhado por lideres norte-americanos e europeus, desde o Secretário da defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, que quer "fragilizar a Rússia o máximo possível" e a presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, que quer "uma derrota clara de Moscovo no campo de batalha", podendo os HIMARS atingir um alvo inesperado (?) que é a expansão da guerra para fora das fronteiras ucranianas.

Putin sobre as crises no ocidente

Numa outra frente de "combate", Putin acusou os países ocidentais de se terem espalhado ao comprido com a desajustada estratégia de combate aos efeitos da pandemia, e agora estão a usar a questão ucraniana para justificar a sua perigosa inflação com a qual não sabem lidar.

Disse ainda que também as crises energética e alimentar que estão a ser experienciadas pelo ocidente em nada são resultado da sua acção na Ucrânia mas sim das políticas erradas e erráticas conduzidas pela União Europeia e EUA desde há uns anos a esta parte, especialmente durante o período pandémico.

Explicando, ainda na entrevista ao canal estatal russo, o chefe do Kremlin adiantou que a actual situação é resultado directo da injecção de grandes quantidades de dinheiro na economia pelos EUA, o que terá conduzido à situação dramática no mercado global da alimentação, referindo-se em especial aos cereais que escasseiam por todo o mundo mas especialmente em África, alegando que os preços subiram fortemente mesmo antes do início da sua operação militar especial.

E apontou o dedo à cegueira da União Europeia e da Comissão Europeia nas suas políticas para o sector energético, onde sobressaem as sanções ao crude russo, que deverá ficar reduzido em 90% até ao final do ano nas importações europeias.

Estas sanções, no entanto, são uma das frentes escolhidas pelos países ocidentais, além do apoio militar e financeiro, para punirem Moscovo pela invasão da Ucrânia que dizem ser totalmente injustificada e criminosa.

Entretanto, na frente de batalha, as forças russas...

... estão praticamente a dominar por completo a cidade estratégica de Severodonetsk, o último reduto da resistência ucraniana na República Popular de Lugansk, cuja independência é apenas reconhecida por Moscovo, tal como a de Donetsk, no Donbass, leste ucraniano, com fronteira com a Rússia.

Estes avanços territoriais russos são já reconhecidos pelo Presidente ucraniano, que garante não ser ainda a derrota da resistência no Donbass mas admite que se trata de uma situação extremamente difícil.

E isso parece ser á evidente com a tomada desta cidade de Severrodonetsk que é o que sustem ainda menos de 5% do território de Lugansk por tomar pelas unidades de combate russas e das mílicias independentistas, o que, segundo a BBC, resultou do sucesso russo na penetração das linhas de defesa urbanas montadas pelas forças ucranianas.

O reforço da capacidade de combate de Moscovo

Sem que as autoridades militares russas o tenham desmentido, para a frente de combate, o Kremlin está a enviar largas dezenas de milhares de homens das unidades militares do centro e do oriente da Rússia, de forma a reforçar o poderio militar russo no Donbass, onde decorre aquela que os dois lados já admitiram que é a batalha decisiva, ou batalhas, desta guerra e que os especialistas miliares definem como sendo a expulsão das forças ucranianas das repúblicas independentistas de Donetsk e Lugansk, e a ligação terrestre entre o Donbass e a Península da Crimeia, o que daria a Moscovo o controlo sobre todo o Mar de Azov e uma boa parte do Mar Negro.

Segundo as informações disponíveis, e dependendo das fontes, do lado russo podem estar entre 120 e 160 mil militares em avanços lentos nas frentes de combate, com reforços permanentes vindo da Rússia, procurando, tanto de sul, como de Norte, avançar e cercar as entre 80 e 100 mil tropas ucranianas, que se concentram na frente do Donbass.

O foco das forças russas é não só expulsar os ucranianos das "suas" repúblicas do Donbass (Donetsk e Lugansk) como garantir que cortam a capacidade de os aliados de Kiev conseguirem fazer chegar o material militar, desde os mísseis anti-aéreos e anti-carro, Javelin e Stinger, às viaturas blindadas enviadas pelos EUA e aliados ocidentais, para o que estão a empregar centenas de mísseis de longo, médio e curto alcance, mas com forte precisão, como os M-54 Kalibr, que estão a ser disparados dos navios estacionados no Mar Negro e da Crimeia, e os 9K-720 Iskander, de menor alcance mas mais manobráveis porque podem ser deslocados em viaturas de rodas nas imediações do campo de batalha.

Com este armamento sofisticado, os russos estão a visar vias férreas, pontes e aeródromos ou mesmo aeroportos, como sucedeu na passada semana, em Odessa, onde o aeroporto desta que é uma das maiores cidades do país, foi parcialmente destruído porque ali estava armazenada grande quantidade de equipamento militar enviado do exterior pelos países da NATO.

Já os ucranianos, sem capacidade de acção aérea, procuram, através dos meios sofisticados que estão a receber dos seus aliados, com realce para os mísseis antiaéreo e anticarro Stinger e Javelin, cuja eficácia tem forçado as colunas russas a refrear os avanços, e que podem ser o factor de equilíbrio neste conflito, não só atrasar o avanço russo para os seus objectivos como ganhar tempo de forma a desgastar as forças russas a ponto de conseguir que o Kremlin aceite negociar de forma mais vantajosa para Kiev.

Os ucranianos estão, porém, a ser fornecidos diariamente também por artilharia pesada e carros de combate que permitem às suas unidades maior resistência ao avanço russo e, por vezes, recuperar território que estava já nas mãos das forças de Moscovo.

Nos últimos dias, as unidades de combate ucranianas retomaram a cidade de Kahrkiv, a apenas 50 kms da Rússia, no norte da Ucrânia, chegando mesmo à fronteira do país vizinho. No entanto, esta reconquista ucraniana pode não ter grande valor militar porque as forças russas, segundo alguns analistas, só permaneciam na cidade como forma de fixar forças ucranianas mantendo-as afastadas do foco principal da guerra, que é a região do Donbass.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar paara a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da

Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 4,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.