Ancara e Moscovo estavam a negociar os termos de um plano para que os navios cerealíferos retidos nos portos ucranianos ou a caminho destes para carregar milho, trigo e girassol, sob os auspícios das Nações Unidas e com o interesse evidente de Kiev no correr das negociações.
Mas, segundo o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, as coisas não correram bem porque as condições impostas Moscovo, que queria que as sanções ligadas a esta matéria, como, por exemplo, suspensão das sanções sobre os pagamentos através do sistema financeiro internacional, ao sistema de seguros marítimos internacional ou a vistoria prévia aos navios que aportassem na costa sul da Ucrânia para ver se não levariam armas para as forças ucranianas ou a limpeza das minas navas semeadas pela marinha ucraniana, não foram colhidas positivamente por Kiev.
Os assessores do Governo ucraniano já tinham dito, nos dias anteriores, que a Rússia estava a colocar exigências absurdas para avançar com a criação de condições para que os cereais ucranianos pudessem começar a ser comercializados nos mercados internacionais, suprimindo o grave défice existentes e as consequências, como a fome galopante em regiões como a África Oriental, onde mais de 40 milhões de pessoas podem soçobrar nos próximos tempos se nada acontecer para aliviar esta situação catastrófica.
E, no entanto, tudo parecia estar a caminhar sobre rodas, porque, na quarta-feira, num encontro em Ancara, os ministros dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, e o anfitrião, Mevlüt Çavusoglu, ambos se manifestaram optimistas sobre um acordo, supervisionado pela ONU, iminente para a abertura de um corredor seguro no Mar Negro por onde iriam circular as embarcações cerealíferas para carregar os grãos ucranianos até aos mercados internacionais.
Se, por um lado, o Presidente russo, Vladimir Putin, afirmou, já esta semana, que nada impedia os ucranianos de exportarem os seus cereais a partir do porto de Odessa, no Mar Negro, porque isso dependia de a pate ucraniana fazer o seu trabalho, como limpar o ma das minas navais ali plantadas pelos fuzileiros ucranianos, por outro lado, uma exigência como a inspecção dos navios a chegar à costa do país pelas forças navais russas, se verificou ser inaceitável para Kiev.
Kiev acusa ainda Moscovo de estar a fazer chantagem sobre todo o mundo usando os cereais e a crise alimentar de forma a impor o levantamento das sanções, apesar de as sanções europeias não incidirem sobre a alimentação ou sobre as deslocações de navios russos, como lembrou na ONU o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, a que os russos retorquiram lembrando que as sanções não permitem o uso do sistema financeiro global, especialmente o sistema SWIFT, para pagar as exportações, e os navios com bandeira russa não estão livres para fazerem os seus seguros no mercado aberto devido às sanções.
Apesar desta situação, a Rússia e a Turquia continuam a fazer esforços para conseguir um acordo que envolva a Ucrânia e a ONU, de forma a libertar os milhões de toneladas de cereais "presos" nos portos e silos ucranianos, mas também russos.
Isto é especialmente importante porque se aproxima a época de novas colheitas e se os silos não forem esvaziados, o país não terá forma de armazenar as toneladas que estão a crescer nos campos.
Aparentemente, uma das questões colocadas por Kiev é que a Rússia não dá garantias confiáveis de que os navios não vão ser atacados a sair ou a entrar nos portos.
Moscovo já reagiu afirmando que essa ideia é sem fundamento e que o processo anda quando o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky,que Sergei Lavrov insinuou que já não tem poder em Kiev e no seu Governo, der a ordem para os navios começarem a operar depois da retirada dos obstáculos, como é o caso das minas marítimas.
No entanto, apesar de o líder ucraniano ter vindo a público dizer que milhões de pessoas podem morrer à fome se o trigo ucraniano não chegar ao mercado internacional, esta informação não é correcta porque a escassez já se verificava antes da guerra em consequência das disrupções na logística global de transportes gerada pela pandemia da Covid-19 e ainda pelo facto de os cereais ucranianos serem importantes mas este páis é apenas o 7º maior produtor do mundo.
O que valem Ucrânia e Rússia no mercado dos cereais?
Recorde-se que a Rússia e a Ucrânia estão entre os maiores exportadores, responsáveis por perto de 30% do total, mas estão longe de ser os maiores produtores mundiais, estatuto que pertence, nos três primeiros lugares, à China, como mais de 612 milhões de toneladas, seguindo-se os EUA, com 468 milhões de toneladas, depois a Índia, como 319 milhões, e só depois surge a Rússia, com 110 milhões de toneladas de cereais por ano.
A Ucrânia aparece em 7º lugar, com 70 milhões, logo depois do Brasil e Argentina e à frente, no top 10, da França e do Bangladesh.
Mas estes números a cru escondem a verdade no que diz respeito à disponibilidade de grãs para exportação, que é o total da população dos países que mais produzem, porque estes são também aqueles que mais consomem, desde logo a China e a Índia, com mais de 1,3 mil milhões de pessoas em cada m destes países, face aos pouco mais de 150 milhões, 10 vezes menos, na Rússia, ou os 50 milhões na Ucrânia, mais de 20 vezes menos.
Cereais em África
Em África, os maiores produtores de cereais são igualmente os maiores consumidores, com mais população, como a Nigéria, com 200 milhões de habitantes, que aparece em 23º lugar, com 26 milhões de toneladas, seguindo-se a Etiópia, com 11 milhões de habitantes, em 24º, com 25 milhões de toneladas e o Egipto, com 102 milhões de pessoas, em 26º lugar na lista dos maiores produtores mundiais de cereais, com 22 milhões de toneladas.
O que esta realidade mostrada pelos números quer dizer é que o continente africano não dispõe de capacidade de produção que garanta a sua auto-suficiência, estando, na sua maior pate dos 54 países do continente, claramente dependente do exterior, nalgumas situação 100% dependentes.
Angola surge em 82º lugar, com 2,4 mil toneladas, sendo um dos países mais dependentes da importação em África, apesar de possuir das mais vantajosas condições naturais para produzir vários tipos de grãos.
E os riscos em África não se limitam à fome, existem igualmente sérios riscos de tumultos e severas crises sociais devido à falta de alimentos, perspectivando-se a ocorrência de golpes de Estado militares em várias geografias africanas mais fragilizadas do poto de vista alimentar, como o próprio FMI já admitiu.
Sobre a guerra...
...mantendo-se as dificuldades de distinguir informação de propaganda, os dois lados deste conflito vão anunciado os seus feitos e objectivos, tendo o porta-voz do Kremlim Dmitri Peskov, já garantido que o conflito só acaba quando a Rússia conseguir alcançar todos os seus objectivos.
As forças pró-russas da autoproclamada república popular de Donetsk na Ucrânia, reconhecida pelo Kremlin, anunciaram esta quinta-feira o início da batalha por Sloviansk, que juntamente com Kramatorsk, serão os principais objectivos russos no Donbass.
"Estamos a levar a cabo a batalha por Sloviansk", declararam as chefias militares pró-russas através do sistema de mensagens Telegram.
No passado domingo, os separatistas afirmaram que estavam a 19 quilómetros de Sloviansk, sinalizada como "cidade chave" para a tomada do bastião militar ucraniano de Kramatorsk.
O Estado Maior General da Ucrânia informou que as forças russas "concentram preparativas para continuar a ofensiva em direcção a Sloviansk e Barvinkove", na região de Kharkiv.
De acordo com as milícias pró-russas, as forças das repúblicas populares de Donetsk e Lugansk apoiadas pelo Exército da Rússia "libertaram e estabeleceram o controlo total sobre 231 localidades da região", incluindo Svitohirsk e Tetyanivka.
Entretanto, a Ucrânia declarou que poderá "reconquistar" a cidade de Severodonetsk em "dois ou três dias", se dispuser de armas de artilharia ocidentais "de longo alcance".
As forças russas tentam controlar totalmente aquela cidade industrial ucraniana na região do Lugansk, importante para o controlo de toda a zona mineira do Donbass.
De acordo com Serguei Gaidai, governador ucraniano da região oriental do país, as forças de Kiev recuperaram terreno nos últimos dias e o "armamento ocidental" pode ser crucial para alterar a situação militar.
A Ucrânia tem insistido nos pedidos, ao Ocidente, de sistemas de lançamento de foguetes de longo alcance.
"O destino do nosso Donbass é decidido naquela zona (Severodonetsk)", disse o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky na noite de quarta-feira.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar paara a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da
Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 4,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.