Quem garante que é possível encontrar uma solução para desbloquear o caminho de saída para o mar de dezenas de milhões de toneladas de cereais ucranianos, especialmente trigo, milho e girassol, é o ministro dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa, Sergei Lavrov, mas tem condições e espera que Turquia e Nações Unidas ajudem a ser correspondidas.
Este anúncio de Lavrov é um auspicioso início de processo negocial que envolve, entre outras exigências de Moscovo, a limpeza dos mares das centenas de minas navais espalhadas no Mar Negro pelas forças ucranianas devido ao aproximar da frota naval russa das suas costas no contexto da guerra iniciada a 24 de Fevereiro.
Este passo é crucial para evitar o agigantamento de uma das mais sérias crises alimentares que o mundo já observou, com milhões de pessoas em risco de fome, especialmente em África, na parte oriental do continente, onde, só no Sudão, o Programa Alimentar Mundial (PAM) estima que existam 20 milhões de pessoas em risco, e, no Corno de África - Quénia, Somália e Etiópia - perto de 18 milhões, havendo já registo de milhares de mortes confirmadas devido a penúria alimentar.
Em causa estão não só a disponibilidade dos cereais, cada vez menos acessíveis depois de Rússia e Ucrânia, dois dos maiores exportadores mundiais, e entre os 10 maiores produtores globais, terem fechado a porta às exportações no âmbito da guerra, e, depois, do lado ucraniano, por causa do bloqueio naval russo aos seus portos do Mar Negro, mas também os preços, que estão em valores historicamente altos.
Por exemplo, a tonelada de trigo nos mercados internacionais subiu mais de 40%, estando a ser vendida a quase 500 USD, sendo que isso afecta de forma trágica a capacidade do PAM em fornecer a ajuda humanitária necessária e os efeitos devastadores desta "guerra mundial do páo". Esta agência da ONU ajuda actualmente mais de 120 milhões de pessoas à beira do abismo nutricional quando em 2021 este número ficava perto dos 80 milhões.
O chefe da diplomacia russa, face a uma forte pressão internacional, e sob acusações graves de que os russos, como foi o caso do Secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, estão a roubar os cereais ucranianos para venderem, aponta agora como caminho uma negociação quadripartida - Rússia, Ucrânia, Turquia e ONU - que envolve algumas questões melindrosas, como seja a obrigatoriedade de Kiev limpar as minas navais do Mar Negro e Moscovo aceder a todos os navios que aportarem para carregar cereais de forma a verificar se não levam armamento para as forças ucranianas.
Entretanto, o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, acusou, segundo o site russo Sputnik News, os "nacionalistas do batalhão Azov de terem destruído mais de 50 mil toneladas de trigo" que estavam armazenados em silos no porto de Mariupol, antes de se renderem às forças russas, no mês de Maio.
E as negociações parecem estar a caminhar, lentamente mas sem paragens, segundo o ministro turco da Defesa, Hulusi Akar, que diz que os envolvidos nas negociações estão a "demonstrar vontade de resolver este problema" de que fazer o que é possível para evitar uma catástrofe alimentar em várias partes do mundo, especialmente em África e na Ásia.
O problema alimentar, que começou com o fecho dos silos russos e ucranianos, agravou.se com países como a Índia e a Argentina a proibirem as exportações de grãos devido à turbulência nos mercados e por razões de segurança alimentar interna.
O que parece estar a impedir o acelerar da procura de uma solução é que Kiev mostra-se, segundo Lavrov, renitente em avançar com a remoção das minas navais do Mar Negro, aparentemente por falta de meios, mas isso está a ser resolvido com uma oportuna colaboração da Turquia, que dispõe de meios suficientes para que em algumas semanas a questão fique resolvida.
Até porque, da parte da Rússia, Lavrov comprometeu-se em assegurar a segurança dos navios que circularem na região para carregarem os cereais ucranianos.
Uma das acusações mais graves feitas à Rússia foi protagonizada pelo presidente do Conselho Europeu, o belga Charles Michel, um dos mais acérrimos defensores do apoio militar à Ucrânia até que seja garantida a derrota militar da Rússia, no Conselho de Segurança da ONU, onde afirmou que Moscovo é o único responsável pela crise alimentar e que está a usar os cereais como arma de guerra e de chantagem sobre o mundo.
Michel juntou a essa causação a informação de a União Europeia não sancionou os cereais russos e não impediu por essa via o transporte de cereais da Rússia para o mundo, como afirma o Kremlin, que acusa Bruxelas de estar por detrás do problema através das sanções atiradas contra a Rússia, alegando que se os cereais não estão sancionados, todos os mecanismos de pagamento de comércio internacional estão profundamente afectados pelas sanções, desde logo todo o sistema financeiro da Federação Russa.
Isso mesmo fez o Presidente Vladimir Putin a seguir, recusando a acusação de que Moscovo está a bloquear os portos ucranianos e, por assim dizer, ser um actor destacado neste confronto global pelo acesso ao pão, sublinhando que os navios russos, se por um lado podem deixar os portos do seu país, por outro estão totalmente impedidos de fazer os seguros internacionais essenciais e não podem entrar em portos europeus.
Mais disse ainda Putin, indicando que o porto de Odessa, o maior porto cerealífero da Ucrânia, não está impedido de exportar grãos, bastando para isso que Kiev limpe o mar da sementeira de minas navais que fez no Mar Negro.
Recorde-se que a Rússia e a Ucrânia estão entre os maiores exportadores, responsáveis por perto de 30% do total, mas estão longe de ser os maiores produtores mundiais, estatuto que pertence, nos três primeiros lugares, à China, como mais de 612 milhões de toneladas, seguindo-se os EUA, com 468 milhões de toneladas, depois a Índia, como 319 milhões, e só depois surge a Rússia, com 110 milhões de toneladas de cereais por ano.
A Ucrânia aparece em 7º lugar, com 70 milhões, logo depois do Brasil e Argentina e à frente, no top 10, da França e do Bangladesh.
Mas estes números a cru escondem a verdade no que diz respeito à disponibilidade de grãs para exportação, que é o total da população dos países que mais produzem, porque estes são também aqueles que mais consomem, desde logo a China e a Índia, com mais de 1,3 mil milhões de pessoas em cada m destes países, face aos pouco mais de 150 milhões, 10 vezes menos, na Rússia, ou os 50 milhões na Ucrânia, mais de 20 vezes menos.
Cereais em África
Em África, os maiores produtores de cereais são igualmente os maiores consumidores, com mais população, como a Nigéria, com 200 milhões de habitantes, que aparece em 23º lugar, com 26 milhões de toneladas, seguindo-se a Etiópia, com 11 milhões de habitantes, em 24º, com 25 milhões de toneladas e o Egipto, com 102 milhões de pessoas, em 26º lugar na lista dos maiores produtores mundiais de cereais, com 22 milhões de toneladas.
O que esta realidade mostrada pelos números quer dizer é que o continente africano não dispõe de capacidade de produção que garanta a sua auto-suficiência, estando, na sua maior pate dos 54 países do continente, claramente dependente do exterior, nalgumas situação 100% dependentes.
Angola surge em 82º lugar, com 2,4 mil toneladas, sendo um dos países mais dependentes da importação em África, apesar de possuir das mais vantajosas condições naturais para produzir vários tipos de grãos.
E os riscos em África não se limitam à fome, existem igualmente sérios riscos de tumultos e severas crises sociais devido à falta de alimentos, perspectivando-se a ocorrência de golpes de Estado militares em várias geografias africanas mais fragilizadas do poto de vista alimentar, como o próprio FMI já admitiu.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar paara a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da
Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 4,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.