António Guterres, na quarta-feira, em Nova Iorque, numa cimeira sobre a insegurança alimentar no mundo,sublinhou ainda que também os cereais ucranianos, cujas exportações por via marítima estão impedidos pelo bloqueio naval russo aos seus portos no Mar Negro, e ainda os fertilizantes e cereais da Bielorrússia, possam voltar a ser exportados de forma a suprimir o défice alimentar que já se sente com severidade em largos territórios africanos, mas também sul-americanos e asiáticos.
"Sejamos claros: não há possibilidade nenhuma de encontrar uma solução para a crise alimentar que o mundo atravessa sem a reintegração nos mercados internacionais das exportações ucranianas de cereais nem dos fertilizantes e dos alimentos produzidos na Rússia e na Bielorrússia", enfatizou Guterres.
Este apelo do chefe das Nações Unidas tem como pano de fundo os dados mais recentes sobre insegurança alimentar que apontam para que um quinto (1/5) da humanidade atravessa riscos de fome por causa da crise dos cereais que foi criada pela guerra na Ucrânia, que afecta directamente os dois maiores produtores mundiais de cereais, cerca de 30% a Rússia e 30% a Ucrânia, que estão agora fora dos mercados globais, embora por razões diferentes.
Inicialmente a Ucrânia fechou a porta à exportação de cereais por razões de segurança alimentar interna, tal como a Rússia, mas, depois de Moscovo ter concluído o bloqueio naval aos portos ucranianos do Mar Negro, por onde era escoada a produção do país, Kiev anunciou que estava disponível de novo para exportar o seu grão mas que não o podia fazer devido á presença dos navios do inimigo.
Também o Presidente russo, Vladimir Putin, cujo interesse passa por se libertar das pesadas sanções a que o seu país está sujeito, veio dizer o mesmo que Guterres, mas de forma mais pungente: "As dificuldades alimentares existentes resultam em grande parte da obsessão dos países ocidentais em sancionar a Rússia".
O Secretário-Geral da ONU sublinhou, todavia, que o problema da escassez de alimentos um pouco por todo o mundo não é apenas resultado da crise entre a Rússia e a Ucrânia, é igualmente consequência das alterações climáticas, cujo impacto maior a este nível é na redução da produção agrícola, como é disso exemplo a trágica vaga de calor que assola a Índia e o Paquistão e levou estes países a fechar a porta à exportação do seu trigo, o que gera acrescidas dificuldades a países como as Filipinas, Indonésia ou Sri Lanka.
A pandemia da Covid-19 tem igualmente um papel importante nesta situação dramática de insegurança alimentar, que em África tem a sua pior consequência em países como a Somália, Quénia, Sudão...
Isto, porque os confinamentos levaram a uma substancial disrupção nas cadeias de distribuição, desde logo nos transportes marítimos, que só agora começa a ser dissolvida, embora os seus efeitos, segundo previsões dos especialistas, se vão ainda fazer sentir nos próximos dois a quatro anos.
No conjunto, por exemplo, o trigo, um dos mais importantes alimentos que travam o avanço da fome no mundo, viu o seu preço aumentar mais de 45 por cento desde o início da guerra na Ucrânia, passando a valer mais de 450 dólares por tonelada, o que levou a um aumento generalizado do preço do pão em todo o mundo mas com maior impacto nos países menos desenvolvidos.
Em Luanda, por exemplo, esta situação mundial levou a que, na capital, Luanda, o chamado "pão burro", ou carcaça, que antes do conflito, a 24 de Fevereiro, custava 30 kwanzas, é hove vendido entre 60 e 70 kz, já o pão-cacete, que valia 50 kz antes da guerra, está hoje a ser vendido, em média, entre os 100 e os 150 kwanzas.