O ponto de partida para as análises dos especialistas militares e analistas políticos sobre como e quando vai acabar a guerra na Ucrânia era o de que a Rússia estaria pronta para negociar um acordo de paz assim que tivesse vergado a Ucrânia e tivesse conseguido os seus três principais objectivos: ocupar todo o Donbass (Donetsk e Lugansk), desmilitarizar a Ucrânia e garantir que Kiev se mantém fora da NATO, mas este fim-de-semana pode ter mudado tudo, de forma radical e mais perigosa que nunca.

A presidente da Câmara dos Representantes do Congresso dos Estados Unidos, Nacy Pelosi, a 3ª figura do Estado norte-americano, logo a seguir ao Presidente Joe Biden e à vice-Presidente Kamala Harris, esteve, de surpresa, este Sábado, na capital ucraniana, onde disparou, provavelmente, o maior ataque à Rússia em muitas décadas, que foi a garantia clara e solene, ao lado do Presidente Volodymyr Zelensky, que os EUA vão estar com os ucranianos até que estes ganhem sem margem para dúvidas a guerra contra os russos.

Esta garantia já tinha sido dada pelos Secretários de Estado e da Defesa, mas nunca por uma das principais figuras do Estado, como é o caso de Nacy Pelosi, porque nem Joe Biden nem Kamala Harris, apesar de declarações desafiadoras contra Moscovo, nunca tinham firmado um compromisso com esta solenidade: até ao fim com a Ucrânia... até que os ucranianos derrotem os russos no campo de batalha.

Sabe-se desde o começo da guerra que Vladimir Putin, o Presidente da Rússia, mandou colocar em alerta máximo o seu sistema de defesa nuclear, sabe-se igualmente que o Kremlin já disse que não hesitará em recorrer às armas nucleares em caso de risco vital para a segurança da Rússia, e também é sabido que esta guerra na Ucrânia é considerada por Moscovo como sendo vital para os seus interesses soberanos, desde logo porque visa proteger as populações russófonas das repúblicas independentistas de Lugansk e Donetsk, no Donbass, e garantir que a NATO não integra a Ucrânia na sua estrutura, que é, há décadas, a maior dor de cabeça dos militares russos por ser considerado um passo insuportável para a segurança russa e que para o qual Vladimir Putin avisa há décadas de que se trata de uma linha vermelha, bem vincada.

Agora, com estas palavras de Nacy Pelosi em Kiev, este fim-de-semana, com o compromisso de Estado dos norte-americanos de que vão estar ao lado dos ucranianos até que vençam a guerra com a Rússia, as dúvidas sobre qual o desfecho para este conflito crescem a olhos vistos e o temor para uma catastrófica evolução para o patamar nuclear tem mais razão de ser que nunca.

Aproveitando a boleia das palavras desafiantes de Pelosi em Kiev, o chefe da diplomacia da União Europeia, o espanhol Josep Borrel, que, a par da presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, são os dois mais destacados "falcões de guerra" dos 27, veio reafirmar que Bruxelas vai manter "o apoio contínuo" a Kiev e que já está a preparar mais um pacote de sanções económicas contra Moscovo.

Do lado russo, a retórica agressiva não tem sido menos intensa, desde logo com a garantia expressa tanto pelo Presidente Putin como pelo seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, de que não há limites, sempre que a segurança vital do país estiver em questão, para o recurso às "ferramentas" mas sofisticadas dos seus arsenais, como o mais recente "cartuxo" testado, que foi o míssil balístico hipersónico RS-28 Sarmat, com capacidade para até 16 ogivas nucleares independentes e com igualmente propulsão hipersónica, indetectável e imparável, no conjunto, pelos sistemas actuais de defesa anti-aérea dos países da NATO, segundo garantias dadas pelo Kremlin.

E até o prazo de validade desta guerra que, segundo vários analistas, poderia ser a comemoração do Dia da Vitória, a 09 de Maio, onde Putin estaria a pensar anunciar uma esmagadora vitória no Donbass, foi agora tirado de cima da mesa por Sergei Lavrov, que já veio dizer que a estratégia definida pelas chefias militares para este conflito não obedece a quaisquer calendário que não sejam os objectivos definidos pelo Governo.

Segundo Lavrov, os generais russos desenharam a sua estratégia com base em duas prioridades, evitar a morte de civis e reduzir ao máximo o número de baixas entre as tropas russas, avançando com a segurança que essas prioridades impõem, o que não permite que os objectivos estratégicos sejam alcançáveis no curto prazo.

Numa entrevista ao canal de televisão italiano Mediaset, o chefe da diplomacia russa destruiu a narrativa que estava a crescer nos media ocidentais, de que o conflito poderia ter uma rápida solução até 09 de Maio para que Putin pudesse comemorar o Dia da Vitória sem a pressão de uma guerra na vizinhança, sublinhando que essa data, 09 de Maio, vai ser comemorada, como sempre, a pensar nos que tombaram pela libertação da então União Soviética e da restante Europa do terror nazi de Adolf Hitler.

Mas Lavrov retomou igualmente um tema que estava mais ou menos escondido nos escombros da guerra mas que foi colocado na argumentação russa inicial, que é a reafirmação de que Moscovo já não pretende mudar o regime em Kiev, ou seja, que não quer tirar o Presidente Volodymyr Zelensky do poder mas sim que, face aos objectivos conhecidos do Kremlin, a Ucrânia deixe de resistir.

O que, aparentemente não vai suceder, até porque do lado ucraniano, o Presidente Zelensky, incentivado pelos repetidos apoios dos países ocidentais, com os EUA a prometerem, diariamente, o reforço desse apoio, quer militar, que já ultrapassou os 4 mil milhões de dólares, que financeiro, igualmente elevado e que pode, em breve, ir até aos 33 mil milhões USD, e da União Europeia, com igualmente sólidos incentivos diários, tem vindo a consolidar a ideia de que não vai aceitar negociar nenhum acordo com os russos que contemple a perda de soberania territorial sobre toda a Ucrânia, o que inclui tanto o Donbass como a Península da Crimeia, que Moscovo anexou em 2014, após referendo popular.

É igualmente conhecida a iniciativa diplomática do Kremlin, através da sua embaixada em Washington, primeiro, e depois pelo próprio Lavrov, de aconselhar o ocidente a travar o envio de armamento para a Ucrânia sem peso nem medida porque isso só vai prolongar o conflito artificialmente e coloca em perigo a segurança na Europa, porque as milhares de toneladas de equipamento militar que chegam às forças ucranianas atravessam os países europeus fronteiriços, como a Polónia, Eslováquia e Bulgária, principalmente, sendo estes ainda dos maiores fornecedores de apoio a Kiev para resistir a Moscovo no campo de batalha.

Não vai ser fácil desatar este nó...

... mas, sem que as autoridades militares russas o tenham desmentido, para a frente de combate, o Kremlun está a enviar largas dezenas de milhares de homens das unidades militares do centro e do oriente da Rússia, de forma a reforçar o poderio militar russo no Donbass, onde decorre aquela que os dois lados já admitiram que é a batalha decisiva desta guerra e que os especialistas miliares definem como sendo a expulsão das forças ucranianas das repúblicas independentistas de Donetsk e Lugansk, e a ligação terrestre entre o Donbass e a Península da Crimeia (ver mapa).

Segundo as informações disponíveis, e dependendo da fontes, do lado russo podem estar entre 120 e 160 mil militares em avanços lentos nas frentes de combate, com reforços permanentes vindo da Rússia, procurando, tanto de sul, como de Norte, avançar e cercar as , entre 80 e 100 mil tropas ucranianas, que se concentram na frente do Donbass.

O foco das forças russas é não só expulsar os ucranianos das "suas" repúblicas do Donbass (Donetsk e Lugansk) como garantir que cortam a capacidade de os aliados de Kiev conseguirem fazer chegar o material militar, desde os mísseis anti-aéreos e anti-carro, Javelin e Stinger, às viaturas blindadas enviadas pelos EUA e aliados ocidentais, para o que estão a empregar centenas de mísseis de longo, médio e curto alcance, mas com forte precisão, como os M-54 Kalibr, que estão a ser disparados dos navios estacionados no Mar Negro e da Crimeia, e os 9K-720 Iskander, de menor alcance mas mais manobráveis porque podem ser deslocados em viaturas de rodas nas imediações do campo de batalha.

Com este armamento sofisticado, os russos estão a visar vias férreas, pontes e aeródromos ou mesmo aeroportos, como sucedeu na passada semana, em Odessa, onde o aeroporto desta que é uma das maiores cidades do país, foi parcialmente destruído porque ali estava armazenada grande quantidade de equipamento militar enviado do exterior pelos países da NATO.

Já os ucranianos, saem capacidade de acção aérea, procuram, através dos meios sofisticados que estão a receber dos seus aliados, com realce para os mísseis antiaéreo e anticarro Stinger e Javelin, cuja eficácia tem forçado as colunas russas a refrear os avanços, e que podem ser o factor de equilíbrio neste conflito, não só atrasar o avanço russo para os seus objectivos como ganhar tempo de forma a desgastar as forças russas a ponto de conseguir que o Kremlin aceite negociar de forma mais vantajosa para Kiev.

A pequena vitória do chefe da ONU

Sem resultados no terreno que permitam, para já, adivinhar para que lado vai pender o desfecho deste conflito, que tem um potencial como não sucedia desde a Guerra Fria, que acabou com o colapso da União Soviética, em 1991, de evoluir para uma tragédia nuclear, é o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, que, para já, parece estar a conseguir obter resultados mínimos para a sua deslocação recente a Moscovo e a Kiev, com o início do processo de libertação dos civis que estavam, e ainda estão, às centenas, entrincheirados na unidade metalo-mecânica da Azovstal, na cidade portuária de Mariupol.

Isto, porque entre Sábado e Domingo, com um atraso de 24 horas face ao que estava anunciado, pelo menos 120 pessoas já deixaram as catacumbas da Azovstal, onde ainda estão, segundo as fontes, entre 1.500 e 2.000 soldados ucranianos do Batalhão Azov, de génese nazi-fascista, e entre 500 e 1.000 civis, que os russos dizem estar a ser usados como escudos humanos pelos combatentes que resistem nos subterrâneos, e que são a derradeira resistência para que a cidade de Mariupol possa ser dada como tomada pelas forças russas, mas que Kiev diz não terem conseguido sair por causa dos ocupantes russos.

Mas esta resistência ucraniana na Azovstal tem levado a múltiplas teses porque se trata de uma causa perdida, visto que estas tropas estão confinadas em escassos túneis sob a metalúrgica, cercados por forças russas e sem capacidade nem para sair nem para serem reforçados ou abastecidos.

Uma dessas teses, que tem sido veiculada pelos media próximos dos russos, é que, com o que resta do Batalhão Azov, estão centenas de instrutores militares de países da NATO, além de um número elevado de mercenários, alguns dos quais já detidos pelos russos, que, se caírem nas mais das forças de Moscovo, podem gerar um incómodo diplomático de enormes proporções, porque, a verificar-se, estaria a colocar, oficialmente, em confronto directo, formas da NATO e da Rússia, que, como se sabe, tanto Joe Biden como Putin já admitiram que, a sucede, poderia ter um desfecho trágico para a humanidade.

E os indícios, mesmo sem poderem ser verificados por fontes independentes, acumulam-se, desde logo com as múltiplas tentativas feitas pelas unidades especiais ucranianas de furarem o cerco com o recurso a helicópteros, para retirar as chefias do Batalhão Azov e outros elementos "valiosos" que ali se encontram, sendo que, por duas vezes, essas operações resultaram na destruição de vários aparelhos pelo fogo antiaéreo russo.

Apesar de Putin ter dito que ia deixar de atacar as instalações da Azovstal optando por um cerco pelo qual "não passa uma mosca", entretanto, começaram a sair do local os primeiros civis, numa operação de grande complexidade, porque os russos insistem em verificar todos os que deixam a Azovstal de forma a garantir que, junto com os civis, não saem combatentes disfarçados... porque estes elementos estão entre as forças nacionalistas mais radicais da Ucrânia e que os russos acusam de terem sido responsáveis, desde 2014, pela morte de 14 mil civis no Donbass, com ataques permanentes sobre aldeias e vilas desta região russófila e independentista, situada junto à fronteira da Rússia, no leste do país.

Entretanto, na frente de combate

Na frente de batalha, as forças russas continuam a reforçar a sua estrutura ao longo da extensa linha da frente, perto de 500 quilómetros, com os reforços vindos da região de Kiev, que ocuparam no início da guerra, e com reforços provenientes da Rússia, estando, segundo alguns analistas, mais de 150 mil homens fortemente apoiados por meios aéreos e terrestres.

Do outro lado, estão perto de 90 mil ucranianos, as melhor preparadas e melhor equipadas unidades de combate leais a Kiev, que estão a receber de forma quase ininterrupta, excepto quando os russos conseguem destruir os carregamentos de armamento, nomeadamente misseis Stinger e Javelin, Made in USA, mas também artilharia de diversos calibres, oriundos do oeste da Ucrânia, que chegam ao país pelas fronteiras da Polónia e da Eslováquia, na sua maioria por caminho-de-ferro, cuja teia de nós e estações e pontes estão a ser meticulosamente destruídos por misseis de precisão de médio-alcance russos.

Para já ainda não começou a ofensiva russa terrestre, estando as forças de Moscovo a apostar essencialmente, apesar de pequenos avanços de aldeia em aldeia, nos disparos de artilharia e ataques com misseis de precisão nos objectivos militares ucranianos, visando especialmente as suas defesas antiaéreas e os depósitos de armamento chegado dos países da NATO.

Os especialistas militares chamam a atenção para o facto de os ucranianos terem criado condições de defesa sólidas ao longo dos últimos anos, tratando-se como se trata de unidades de combate veteranas que estão a combater as milícias independentistas de Donetsk e Lugansk, nma guerra de baixa intensidade que já dura há oito anos e já fez mais de 14 mil mortos entre as populações locais maioritariamente russófilas.

O que quer dizer que a ofensiva terrestre russa só deverá começar quando as suas chefias militares entenderem que os bombardeamentos já danificaram estas defesas quanto baste para reduzir os riscos da infantaria que tem de avançar no terreno disputado palmo a palmo, como sucedeu na II Guerra Mundial, prevendo-se inúmeras baixas de um e do outro lado...

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar paara a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 4,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.