Joe Biden colocou a sua Administração a "ajudar" Vladimir Putin a sair do impasse da guerra na Ucrânia, Josep Borrel quer o Ocidente a comprar mais e mais armas para que as forças ucranianas punam Moscovo pela invasão enquanto Emmanuel Macron e Olaf Scholz procuram neutralizar a ironia dos EUA e a ferocidade da União Europeia com o pragmatismo do eixo-franco/alemão que reconhece que este conflito dura há tempo a mais e já provocou destruição além do razoável.

A partir da Casa Branca, o Presidente norte-americano, que se tem comportado como um dos mais ferozes inimigos da Rússia e mais comprometidos aliados de KIev, com declarações crescentemente comprometedoras do envolvimento dos EUA na guerra do leste europeu ao lado da Ucrânia, tendo mesmo afirmado que o objectivo de Washington é fragilizar a Rússia punindo-a de forma severa para não voltar a fazer o mesmo no futuro, está agora a amaciar o discurso, ou a gozar com o "inimigo".

Primeiro, Joe Biden diz que Vladimir Putin lançou esta guerra convencido de que iria conquistar tudo o que quisesse na Ucrânia e em pouco tempo, ao mesmo tempo que estilhaçava a União Europeia e a NATO, mas que as coisas lhe correram mal e, por isso, o chefe do Kremlin está agora num impasse e sem saber como sair da guerra.

Face a este cenário, onde Joe Biden coloca Vladimir Putin na condição de não saber que caminho escolher para sair do labirinto que o próprio ergueu desde que lançou as suas forças sobre a Ucrânia a 24 de Fevereiro, o Presidente norte-americano veio agora, aproveitando as declarações de circunstância numa recolha de fundos para caridade, em Washington, dizer que a sua Administração está a procurar ajudar o Presidente russo a encontrar uma saída para a guerra, rompendo o impasse.

Não é certo que se trate de um amaciar do discurso na Casa Branca, depois de o Secretário da Defesa, Lloyd Austin, ter, há uma semana, dito, de forma clara, que os EUA querem vergar a Rússia sobre os seus joelhos, provocando-lhe danos militares e económicos para muitos anos, o que será, então, a suprema afronta ao inimigo, castigando-o com humor "bélico", ou uma mudança na agulha por parte do inquilino da Casa Branca que tem a sua popularidade tão baixa que, como o próprio ironizou recentemente, menos populares que ele só os jornalistas, sendo as causas mais próximas a inflação e o em crescendo elevado custo de vida que começa a punir os norte-americanos, por causa da guerra, o que é um mau começo de campanha eleitoral para as eleições intercalares de Novembro deste ano onde os Democratas estão em risco de perder a maioria no Congresso, tanto na Câmara dos Representantes como no Senado.

Uma das advertências para os objectivos eleitorais de Joe Biden chegou-lhe no final da semana passada, do Reino Unido, onde os efeitos económicos da guerra na Ucrânia no bolso dos britânicos estiveram directamente ligados à pesada derrota eleitoral do Governo de Londres e do seu primeiro-ministro, o conservador Boris Johnson, que está na linha da frente, com Biden, do apoio incondicional aos ucranianos na guerra contra os russos.

Alguns analistas admitem mesmo que as pesadas sanções aplicadas pelos EUA e pela União Europeia, entre outros, a Moscovo, estão a ter efeitos mais severos nas economias ocidentais que o esperado, sem que isso afecte de forma determinante a Rússia na sua capacidade de alimentar a guerra que trava com e na Ucrânia, além de estarem na origem de um receio global, como as agências da ONU já alertaram, para um dramático aumento da fome no mundo e o arrefecimento da economia planetária que não foi tido em consideração pela forma como está a gerar um politicamente incómodo descontentamento entre as sociedades europeia e norte-americana.

E essa realidade em formação, que pode derivar para uma tempestade perfeita que volte a abanar a economia mundial com efeitos semelhantes ou ainda mais devastadores que as crises de 2008, que começou nos EUA, ou da pandemia da Covid-19, no início de 2020, que começou na China, é apontada por alguns analistas como o "argumento" que faltava em Washington e Londres para arrefecerem os ímpetos com que estão a alimentar o caldeirão da guerra na Ucrânia, facilitando, assim, um cessar-fogo e depois um acordo de paz.

Para já, esse entendimento parece ter já sido convertido em acção pelos dois mais importantes lideres europeus, o chanceler alemão Olaf Scholz, e o Presidente francês Emmanuel Macron, que acabam de lançar um apelo para que as partes em conflito na Ucrânia criem condições para um imediato cessar-fogo que permita impulsionar negociações para uma paz que deve ter como base o respeito da soberania e integridade territorial da Ucrânia.

"Temos que encontrar maneiras de acabar com esta guerra e, para que isso aconteça é urgente um cessar-fogo", referiu Olaf Scholz, citado pela Lusa, enquanto Macron aproveitava o ensejo para ser o primeiro líder europeu a sublinhar o facto de o discurso menos belicista de Putin na Praça Vermelha, em Moscovo, ma segunda-feira, 09, onde se comemorou o Dia da Vitória russa sobre a Alemanha nazi de Hitler, e com um evidente fade out de demonstração de poder militar em parada, ser um possível prenúncio de alargamento da até aqui estreita passagem para o fim das hostilidades militares.

"Só com um cessar-fogo pode haver negociações de paz e é disso que precisamos de forma urgente", enfatizou o Presidente francês, num claro recado ao agregado europeu do poderoso eixo franco-alemão, que é a principal força motriz da União Europeia que gira em torno das duas maiores economias do bloco dos 27 e ainda as duas capitais menos inflamadas na retórica de guerra anti-Moscovo sabedoras que são dos devastadores efeiros colaterais da guerra na Ucrânia na economia mundial e europeia em particular, especialmente devido às sanções a Moscovo que atingem, em crescendo e com especial enfoque, o sector energético.

Quem, aparentemente, não percebe o terreno que está a pisar, são a presidente da Comissºao Europeia, a mais beligerante dos lideres europeus, que defende, sem rodeios, o empenho de Bruxelas numa derrota total da Rússia no campo de batalha, com apoio pesado e constante da União Europeia a Kiev para que esse objectivo de ajoelhar Moscovo no campo de batalha seja conseguido, e ainda o chefe da diplomacia europeia, o alemão Josep Borrel, que voltou a afiar a faca ao regressar, em público, à defesa do envio de armas, cada vez em maior número, para as forças ucranianas.

Os europeus não devem ser tão "inocentes" e ignorar os perigos que ameaçam a Europa, alertou, citado pela Lusa, Josep Borrel, numa das suas já conhecidas declarações belicistas.

Os europeus não devem ser "inocentes" e ignorar os perigos que ameaçam a Europa, alertou o Alto Representante da União Europeia (UE) para a Política Externa, Josep Borrel.

Borrel participou, na segunda-feira, através de um vídeo, num acto institucional do Senado espanhol para assinalar o Dia da Europa, onde defendeu a manutenção do apoio militar à Ucrânia face à invasão russa.

O chefe da diplomacia europeia apontou que não compreende os que defendem que a Ucrânia não deve receber armamento porque isso prolongará a guerra.

"O que é que eles querem? Que a Ucrânia se renda, que se renda à Rússia? Que a Rússia faça com ela o que quiser?", questionou o diplomata europeu.

No seguimento do seu raciocínio, Borrel lembrou que num mundo em que "quase tudo se torna uma arma", incluindo a imigração, os europeus não podem ser tão "inocentes".

"[Os europeus] devem estar cientes de que o mundo em que vivemos é um mundo perigoso e se dentro da Europa construímos a paz, fora dela a paz não é o estado natural das coisas", sublinhou, citado pela agência EFE.

"Não podemos fazer como a avestruz. Temos de ter consciência do mundo em que vivemos", acrescentou.

Pequim volta ao "jogo"

Também o Presidente chinês, Xi Jinping, que esteve, na segunda-feira, a conversar por videoconferência com o chanceler alemão, reforçou a ideia da urgente solução para o conflito na Ucrânia de forma a que este não se transforme num "problema incontrolável".

O líder chinês enfatizou ainda, segundo os media de Pequim, que devem ser feitos todos os esforços no sentido de travar o conflito e a sua possível expansão, com consequências trágicas para todos.

Nesta conversa, que a página do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês deu grande destaque, com a questão do reforço das relações entre a China e a Alemanha, e com a União Europeia a ser enfatizada por Jinping, sobressai claramente a situação na Ucrânia, tendo ambos os lideres admitido a necessidade de investir mais energia na busca de uma solução dialogada para esta guerra.

O líder chinês, citado pelo oficial South China Morning Post, teve ainda momento para defender junto do líder alemão a importância de a Europa manter nas suas mãos a gestão da sua diplomacia externa, o que pode ser visto como uma crítica à forma como a diplomacia europeia, chefiada pelo espanhol Borrel, se tem submetido ao comando de Washington, comprometendo Pequim no apoio a uma busca alternativa para a paz na Ucrânia forjada no seio dos países europeus, bem como na construção de uma equilibrada e sustentável arquitectura de segurança europeia.

Borrel ignora Macron e Scholz e Jinping

Macron esteve pela primeira vez em Berlim desde a sua reeleição, onde manteve um encontro com Scholz motivado principalmente pela guerra na Ucrânia mas com os olhos postos também em impedir a destruição do que a França e a Alemanha construíram durante tantos anos, referindo-se à União Europeia, uma organização que saiu dos escombros da II Guerra Mundial com o objectivo de fazer perdurar "para sempre" a paz na Europa.

"Era evidente, para mim, que após a reeleição tinha de viajar até Berlim. Queremos reforçar tudo o que a França e a Alemanha construíram durante tantos anos e esperamos que a amizade que existe entre os nossos dois países nos permita promover importantes coisas nos próximos meses", apontou o presidente de França, citado pela Lusa.

Entre os temas a serem abordados, segundo Macron, estão a transformação digital e a transformação ecológica, a procura da independência de fontes de energia fóssil por parte da União Europeia (UE), quer para alcançar a soberania energética, quer para cumprir as metas de redução das emissões de carbono.

Por outro lado, Macron abordou a sua ideia para criar um novo formato político que permita intensificar a cooperação com países que, como a Ucrânia, ainda não pertencem à UE ou com o Reino Unido, que saiu do organismo, mas que partilham uma série de valores comuns.

"Há anos tentamos resolver o desafio através do alargamento [da UE], mas é claro que há países que, como a Ucrânia, precisarão de anos para cumprir os critérios de entrada mesmo que optemos por um processo acelerado. Por isso, é importante criar um formato político que aproxime a Ucrânia e outros países da UE", acrescentou.

O chefe do governo alemão considerou a proposta de Macron uma "boa ideia" e realçou que esta deve ser combinada com negociações de adesão de países como a Macedónia do Norte, cujos líderes já tomaram decisões corajosas para se aproximarem da Europa. "Temos de evitar decepções", alertou Scholz.

O chanceler alemão defendeu ainda a política que o seu governo tem seguido face à guerra na Ucrânia e sublinhou a mudança em algumas matérias como o envio de armas para a zona de conflito ou o aumento com despesa militar.

"A Alemanha tomou decisões importantes. Optamos por fortalecer a nossa capacidade defensiva e, assim, contribuir para a capacidade defensiva da NATO", apontou.

"Também apoiamos, juntamente com os nossos aliados, uma maior presença militar nas fronteiras da NATO, com a qual Putin está a conseguir exactamente o oposto do que se propôs a fazer", referiu ainda.

Scholz e Macron também sublinharam a importância das sanções contra a Rússia.

O chefe de Estado francês manifestou esperança de que os parceiros que ainda estão relutantes quanto a um embargo ao petróleo russo mudem de posição.

"As sanções serão mais eficazes se toda a UE as aceitar", explicou Macron.

A Hungria é um dos países mais relutantes em aceitar um embargo ao petróleo russo e já anunciou que vetará essa proposta no Conselho Europeu.

O reforço da capacidade de combate de Moscovo

Sem que as autoridades militares russas o tenham desmentido, para a frente de combate, o Kremlin está a enviar largas dezenas de milhares de homens das unidades militares do centro e do oriente da Rússia, de forma a reforçar o poderio militar russo no Donbass, onde decorre aquela que os dois lados já admitiram que é a batalha decisiva desta guerra e que os especialistas miliares definem como sendo a expulsão das forças ucranianas das repúblicas independentistas de Donetsk e Lugansk, e a ligação terrestre entre o Donbass e a Península da Crimeia.

Segundo as informações disponíveis, e dependendo da fontes, do lado russo podem estar entre 120 e 160 mil militares em avanços lentos nas frentes de combate, com reforços permanentes vindo da Rússia, procurando, tanto de sul, como de Norte, avançar e cercar as , entre 80 e 100 mil tropas ucranianas, que se concentram na frente do Donbass.

O foco das forças russas é não só expulsar os ucranianos das "suas" repúblicas do Donbass (Donetsk e Lugansk) como garantir que cortam a capacidade de os aliados de Kiev conseguirem fazer chegar o material militar, desde os mísseis anti-aéreos e anti-carro, Javelin e Stinger, às viaturas blindadas enviadas pelos EUA e aliados ocidentais, para o que estão a empregar centenas de mísseis de longo, médio e curto alcance, mas com forte precisão, como os M-54 Kalibr, que estão a ser disparados dos navios estacionados no Mar Negro e da Crimeia, e os 9K-720 Iskander, de menor alcance mas mais manobráveis porque podem ser deslocados em viaturas de rodas nas imediações do campo de batalha.

Com este armamento sofisticado, os russos estão a visar vias férreas, pontes e aeródromos ou mesmo aeroportos, como sucedeu na passada semana, em Odessa, onde o aeroporto desta que é uma das maiores cidades do país, foi parcialmente destruído porque ali estava armazenada grande quantidade de equipamento militar enviado do exterior pelos países da NATO.

Já os ucranianos, sem capacidade de acção aérea, procuram, através dos meios sofisticados que estão a receber dos seus aliados, com realce para os mísseis antiaéreo e anticarro Stinger e Javelin, cuja eficácia tem forçado as colunas russas a refrear os avanços, e que podem ser o factor de equilíbrio neste conflito, não só atrasar o avanço russo para os seus objectivos como ganhar tempo de forma a desgastar as forças russas a ponto de conseguir que o Kremlin aceite negociar de forma mais vantajosa para Kiev.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar paara a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 4,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.