Cansaço visível, dentes cerrados e olhar de dor no rosto dos soldados que acabam de chegar a um posto de abastecimento e repouso a escassos quilómetros das trincheiras fustigadas pela artilharia russa na frente este, na região do Donbass, onde se decide o desfecho desta guerra que começou a 24 de Fevereiro, com o avanço das forças russas sobre o país vizinho.

Depois de caminharem 12 quilómetros, finalmente algum sossego, conta a jornalista da France Presse, descrevendo que estes homens, da 181ªa brigada ucraniana, conseguiram encontrar um camião Kamaz, em Sviatoguirsk, que os levou, atulhados, até ao destino final, um edifício em ruínas, a escassos quilómetros da linha da frente, que serve de local de descanso para os guerreiros exaustos e de hospital de campanha para os primeiros cuidados daqueles que chegam feridos.

Este relato da France Presse é dos raros que chegam ao ocidente directamente da linha da frente, feito por quem viu o que descreve sem intermediações permissivas aos "fakes" com que as máquinas da propaganda de um e do outro lado inundam as redacções dos media, ocidentais ou russos, e nele sobressai o sofrimento atroz dos homens da 181ª brigada ucraniana que participaram na contra-ofensiva a este planeada para travar o avanço feroz das colunas russas na geografia do Donbass ainda sob controlo de Kiev que é cada dia que passa encurtado pela conquista de território, aldeia após aldeia, das forças de Moscovo.

À repórter Dhafne Rousseau, da AFP, um oficial ucraniano, o tenente Yevguen Samoilov, conta que ele e os seus homens têm a missão, que não diz sê-lo mas que o jornalista deixa perceber que assim é, impossível de não deixar "o inimigo atravessar aquela linha defensiva" recorrendo "a todas as forças", mesmo as que não sabiam ter... embora falando sob um nervoso indisfarçável porque ele, a sua unidade, e o próprio jornalista estavam num locam ao alcance de um tiro de blindado russo...

Não foi possível à jornalista da agência francesa de notícias saber o número de baixas, entre mortos e feridos da 181ª brigada que esteve a tentar suster o avanço dos russos nesta área do Donbass, cuja localização fornecida é de Sviatoguirsk, uma pequena aldeia de difícil localização nos mapas disponíveis, mas o que é descrito permite perceber que o jovem o tenente Yevguen Samoilov, de 21 anos, comanda 130 homens, todos com o dobro ou mais da sua idade, admitindo apenas que esteve em combates ferozes em Izium e Oleksandrivka, e que não tem o registo dos homens que já perdeu desde o início da guerra, a 24 de Fevereiro.

A repórter da France Presse descreve que, nesta área próxima da frente este, onde chegam os militares que receberam ordem para retirar de forma a descansar ou serem tratados de ferimentos ligeiros antes de voltarem às trincheiras, encontraram quase em exclusivo homens com idade já avançada para militares, quase todos voluntários, desde professores, mecânicos, carpinteiros, mesmo os médicos de serviço são voluntários, sem preparação e, ainda segundo os jornalistas, provavelmente presas fáceis para os mais experimentados militares russos do outro lado.

Na Ucrânia foi decretada a Lei Marcial desde o início da guerra, que já vai em mais de dois meses, estando os homens com mais de 18 anos proibidos de deixar o país e todos estão obrigatoriamente disponíveis para serem mobilizados para combater.

Este relato da agência de notícias pública francesa, que se distingue claramente do trabalho de quase toda a imprensa ocidental a cobrir esta guerra do lado ucraniano pela clareza do relato e à margem da versão oficial da guerra divulgada pelos serviços de assessoria do Governo de Kiev, coloca em cima da mesa a possibilidade já admitida por vários analistas militares de que as forças ucranianas dificilmente terão como resistir por muito mais tempo às forças russas, compactas e com ilimitado poder de fogo, que procuram ocupar totalmente o que falta dos territórios das duas repúblicas independentistas do Donbass, Donetsk e Lugansk.

O Donbass, a par da Crimeia, a península que a Rússia anexou em 2014 depois de um referendo popular, são os territórios ucranianos que Moscovo diz não serem sequer negociáveis para acabar com esta guerra.

Zelensky contra-ataca... por vídeo

Porém, nas últimas horas, e apesar das notícias de avanços substanciais dos russos no este do país, como o Ministério da Defesa ucraniano também já veio admitir, o Presidente Volodymyr Zelensky, também ele consciente das "grandes dificuldades" dos seus homens na linha da frente, veio a público garantir que não vai aceitar qualquer tipo de negociações que não garantam a manutenção da totalidade do território ucraniano sob a soberania de Kiev.

E o líder ucraniano explicou que a questão da neutralidade da Ucrânia, uma das principais exigências de Moscovo, que se traduz pela sua não adesão à NATO, só pode ser dada como garantia aos russo se isso compreender a sua saída tanto do Donbass como da Península da Crimeia, como que , como é sobejamente sabido, o Kremlin já disse que não está sequer na lista dos elementos negociáveis.

Numa entrevista a um canal de televisão árabe, a al Arabiya, Zelensky disse que, embora os russos insistam na neutralidade, para Kiev "o que mais importa é a libertação do Donbass e dos restantes territórios ocupados", incluindo a Crimeia.

Esta posição do Presidente da Ucrânia surge num momento em que a generalidade dos media ocidentais estão a dar como certo que o Presidente russo se prepara para, nos próximos dias, fazer uma declaração formal de guerra à Ucrânia, transitando daquilo a que chama de "operação militar especial" para uma guerra total, o que compreenderá a mobilização geral na Rússia e a disponibilização total dos recursos militares existentes nos arsenais do país.

Isto pode, segundo esses mesmos media, suceder a 09 de Maio, quando Putin se dirigir ao país durante as comemorações do Dia da Vitória, referente vit"ria do Exército Vermelho da então União Soviética, em 1945, sobre as forças nazis da Alemanha hitleriana.

O chefe de Estado ucraniano disse ainda nesta entrevista que, para aceitar a neutralidade exigida por Moscovo, vai insistir em obter "garantias de segurança que impeçam de forma profiláctica, ataques semelhantes no futuro".

A linha dura toma posição...

E voltou a enfatizar que todas as decisões que possa tomar no que diz respeito a eventuais negociações com Moscovo terão de passar pelo crivo de um referendo onde todos os ucranianos se deverão pronunciar para não haver dúvidas.

Mas estas afirmações de Zelensky surgem já depois de o líder do Conselho de Defesa e Segurança da Ucrânia (NSDC, sigla em inglês), Alexey Danilov, ter vindo a público dizer que "o único tratado que Kiev assinará com Moscovo vai ser o da capitulação da Rússia".

Num claro desafio a Moscovo, mas também ao seu Presidente da República, Danilov, que é um elemento da linha dura de Kiev, adiantou que Volodymyr Zelensky "não vai nem pode contornar a Constituição", que é clara ao impedir quaisquer cedências territoriais.

Face a estas declarações, alguns analistas admitem que possa haver já alguma fricção entre uma facção mais receptiva a uma ideia de acordo de paz com a Rússia, cedendo nalgumas posições, onde estará Zelensky, e outra facção, provavelmente de cariz nacionalista e radical, que não vai admitir qualquer entendimeto com o agressor que não seja a sua aceitação da derrota militar.

Os mesmos analistas admitem que o desfecho do conflito na Ucrânia pode estar mesmo a ser decidido, pelo menos em parte, já neste braço-de-ferro no seio do poder em Kiev.

O reforço da capacidade de combate de Moscovo

Sem que as autoridades militares russas o tenham desmentido, para a frente de combate, o Kremlin está a enviar largas dezenas de milhares de homens das unidades militares do centro e do oriente da Rússia, de forma a reforçar o poderio militar russo no Donbass, onde decorre aquela que os dois lados já admitiram que é a batalha decisiva desta guerra e que os especialistas miliares definem como sendo a expulsão das forças ucranianas das repúblicas independentistas de Donetsk e Lugansk, e a ligação terrestre entre o Donbass e a Península da Crimeia (ver mapa).

Segundo as informações disponíveis, e dependendo da fontes, do lado russo podem estar entre 120 e 160 mil militares em avanços lentos nas frentes de combate, com reforços permanentes vindo da Rússia, procurando, tanto de sul, como de Norte, avançar e cercar as , entre 80 e 100 mil tropas ucranianas, que se concentram na frente do Donbass.

O foco das forças russas é não só expulsar os ucranianos das "suas" repúblicas do Donbass (Donetsk e Lugansk) como garantir que cortam a capacidade de os aliados de Kiev conseguirem fazer chegar o material militar, desde os mísseis anti-aéreos e anti-carro, Javelin e Stinger, às viaturas blindadas enviadas pelos EUA e aliados ocidentais, para o que estão a empregar centenas de mísseis de longo, médio e curto alcance, mas com forte precisão, como os M-54 Kalibr, que estão a ser disparados dos navios estacionados no Mar Negro e da Crimeia, e os 9K-720 Iskander, de menor alcance mas mais manobráveis porque podem ser deslocados em viaturas de rodas nas imediações do campo de batalha.

Com este armamento sofisticado, os russos estão a visar vias férreas, pontes e aeródromos ou mesmo aeroportos, como sucedeu na passada semana, em Odessa, onde o aeroporto desta que é uma das maiores cidades do país, foi parcialmente destruído porque ali estava armazenada grande quantidade de equipamento militar enviado do exterior pelos países da NATO.

Já os ucranianos, sem capacidade de acção aérea, procuram, através dos meios sofisticados que estão a receber dos seus aliados, com realce para os mísseis antiaéreo e anticarro Stinger e Javelin, cuja eficácia tem forçado as colunas russas a refrear os avanços, e que podem ser o factor de equilíbrio neste conflito, não só atrasar o avanço russo para os seus objectivos como ganhar tempo de forma a desgastar as forças russas a ponto de conseguir que o Kremlin aceite negociar de forma mais vantajosa para Kiev.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar paara a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 4,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.