A batalha do Donbass, que alguns analistas militares admitem que vai definir um vencedor claro para esta guerra que já vai quase em dois meses - começou a 24 de Fevereiro com o avanço das forças russas sobre a Ucrânia - tem frente a frente perto de 50 mil militares ucranianos, os mais bem preparados e equipados do Exército de Kiev, e o grosso das forças convencionais russas, estimando algumas fontes que possam ser mais de 120 mil homens com forte poder de fogo aéreo e terrestre.
Em causa está o anunciado objectivo do Presidente russo, Vladimir Putin, de libertar definitivamente as duas repúblicas russófonas e independentistas do Donbass, Lunetsk e Lugansk, onde decorre uma guerra de baixa intensidade desde 2014, com mais de 14 mil civis mortos pelas forças ucranianas, acusa Moscovo.
Com este objectivo, se e quando for conseguido, Moscovo pretende reorganizar a geografia do sudeste ucraniano, que, depois, quando o último reduto ucraniano na cidade costeira de Mariupol, onde ainda persiste uma pequena força de resistentes encurralada nas instalações da metalúrgica Azovstal, poderá ligar o Donbass à Península da Crimeia (ver mapa na fotografia) através de um corredor sem resistência, fundamental para diluir aquilo a que o Presidente ucraniano chama de "lutar por todos os centímetros do território".
Apesar de ter uma clara vantagem em número de forças e disponibilidade de material militar e reabastecimento célere devido à proximidade das linhas recuadas russas à sua fronteira, as forças de Moscovo não vão ter a vida facilitada, embora os ucranianos tenham ainda a seu desfavor o facto de o armamento oferecido pelo ocidente ter de percorrer mais de 1300 quilómetros desde a sua fronteira a oeste com a Europa ocidental para a região russófila do Donbass e os mísseis russos estão a ser concentrados nas linhas de abastecimento, especialmente os nós dos caminhos-de-ferro e das estradas principais provenientes das fronteiras com a Polónia e a Eslováquia.
Isto, porque os norte-americanos estão já a fazer chegar à Ucrânia parte dos mais de 800 milhões de dólares em material bélico aprovados por Joe Biden e os britânicos anunciaram que vão colocar à disposição de Kiev lançadores de mísseis de curto-alcance com grande eficácia na defesa anti-aérea, o que poderá reduzir a superioridade aérea na ofensiva russa, que os especialistas consideram fundamental para o sucesso deste tipo de operações.
No entanto, apesar de algumas agências de notícias erem já divulgado pequenos vídeos com disparos nocturnos de artilharia e fogo antiaéreo, o que causa sempre um efeito dramático nestas imagens, ainda não há certezas absolutas de que esta ofensiva russa - que é certo que vai decorrer se não houver avanços fortes na mesa das negociações - esteja mesmo a de correr já.
De Moscovo, através das notas de imprensa faladas diárias do seu Ministério da Defesa, veio apenas a confirmação de que ocorreu mais uma noite de ataques com mísseis de precisão a mais de uma dezena de fortificações militares e alvos militares ucranianos, sem, no entanto, confirmar a tal grande e decisiva ofensiva. Note-se que não é suposto este tipo de operações serem anunciadas...
É verdade que Volodymyr Zelensky, no seu último vídeo, mais visivelmente cansado, onde repetiu que não vai ceder e as suas forças vão combater os russos até ao último fôlego, e que "a Ucrânia não precisa de nada do estrangeiro", afirmou que essa batalha decisiva já tinha começado.
Este tipo de anúncios são encarados com algum cepticismo porque podem apenas pretender acelerar as decisões ocidentais de fornecimento de apoio em armamento enquanto as derradeiras forças em Mariupol atrasam a inevitável conquista russa desta estratégica cidade até que esse reabastecimento chegue à linha da frente.
Também o chefe de gabinete de Zelensky, Andrey Yermak anunciou que essa ofensiva tinha começado pedido ao povo ucraniano para "acreditar no Exército" porque este "é e está cada vez mais poderoso".
O perigo nuclear
Neste conflito há uma dimensão para a escalada que todos querem evitar mas que já ninguém ignora a possibilidade de vir a suceder, que é o recurso ao arsenal nuclear russo, se as forças de Moscovo estiverem, face ao forte e cada vez mais substancial fornecimento de sofisticado armamento pelos países da NATO.
Face a um eventual impasse no campo de batalha, o que seria um desastre táctico e político para o Kremlin, forçado pelos empenhados Estados Unidos da América e Reino Undo, em especial, e também pelos denominados falcões do leste europeu, nomeadamente a Polónia, Eslováquia e os países bálticos, Letónia, Estónia e Lituânia, que são quem mais insiste no apoio militar à Ucrânia, a Rússia poderá usar as suas armas nucleares tácticas.
Este tipo de armamento nuclear - por isso se denomina táctivo - existe nos arsenais de todas as potências nucleares e é de pequeno porte e com potência limitada, para incidir apenas no campo de batalha sem alastrar à geografia circundante, tendo um raio de acção de, nalguns casos, 800 metros2.
Tem, no entanto, um grande efeito dissuasor e apresentam um menor risco - embora este não seja, de todo, nulo - de desencadear uma guerra nuclear devastadora com recurso às poderosas ogivas que podem ser centenas de vezes mais poderosas que aquelas usadas pelos EUA para destruir, em 1945, Hiroshima e Nagasaky, no Japão.
E, admitindo que esse passo poderá acontecer nesta batalha do Donbass, o Japão já anunciou que vai enviar para a Ucrânia uma carga de máscaras e fardas protectoras face a um ataque nuclear e ou químico.
Washington senta aliados à mesa para os instruir sobre nova fase da guerra
Os EUA anunciaram, entretanto, que convocaram os seus aliados para uma reunião de emergência com a análise desta situação como ponto único da agenda, sendo claro que será reafirmado o apoio inequívoco à Ucrânia.
Através de videoconferência, o Presidente Joe Biden, segundo alguns analistas, deverá reforçar a sua posição de força ao lado de Kiev e, segundo uma fonte da Casa Branca citada pelos media norte-americanos, tudo fazer para que a Rússia não tenha uma saída vitoriosa neste conflito, seja através do continuado apoio militar, seja através do reforços das sanções económicas.
Putin desconsidera efeito das sanções...
As sanções são, para já, a "arma" mais importante que os países ocidentais estão a usar contra a Rússia, visto que, entre o material militar entregue à Ucrânia estão apenas armas defensivas, embora igualmente com grande capacidade letal, como os mísseis Stinger ou Javelin, anti-aéreo e anti-carro, como a governadora do Banco Central da Rússia já o admitiu.
Mas o Presidente Putin, embora não negando que algum impacto estas tiveram, garantiu, numa intervenção feita perante os seus ministros, citado pelos media russos, que "os países ocidentais falharam no seu objectivo de desestabilizar a Rússia através das suas sanções".
Putin garante que a "situação está a estabilizar e o Rublo voltou a recuperar" depois de, inicialmente, ter perdas substanciais no rasto do impacto das sanções, acrescentando que as divisas estão a regressar ao sistema financeiro russo, com um crescimento da confiança, tanto visível nos depósitos dos clientes nos bancos como no comércio retalhista.
"O que os países ocidentais queriam, e falharam, era fazer desmoronar o nossos sistema financeiro e criar pânico na nossa economia e nos mercados, despoletando o seu colapso, desde logo no sistema bancário", disse o senhor do Kremlin, para se forcar a seguir na sua frase preferida sempre que analise as sanções: "a guerra blitzkrieg à nossa economia foi derrotada". Blitzkrieg é um termo que ficou historicamente colado à rapidez do avanço das roças nazis sobre a França e outros países europeus na II Guerra Mumdial e pode ser traduzido por "guerra-relâmpago".
Mas Putin foi anda mais longe nesta intervenção reproduzida pela Russia Today: "Estas sanções estão a fazer ricochete e a atingir as economias de quem as elaborou e aplicou", dando exemplos da inflação galopante na Europa e nos EUA, o desemprego e uma clara diminuição da qualidade de vida nestes países...
Não deixou, porém, de admitir que também os russos estão a sofrer o impacto das sanções nas suas vidas, nomeadamente na alta dos preços, quase 10%, em média, e na alta crescente da inflação, perto dos 17,5% até 08 de Abril, embora garanta que estes dados estão a estabilizar.
... União Europeia não!
O mesmo entendimento não tem a chefe da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, que disse, na segunda-feira, citada pelos media europeus, que é sua esperança que a Rússia entre em incumprimento com as suas obrigações financeiras internacionais, sendo que um "default", por norma, gera dificuldades acrescidas nas condições de crédito, na confiança dos credores e na capacidade nacional de investimento, o que, em circunstâncias normais, leva os países nessa condição à condição de pária financeiro internacional.
Porém, o país em "default", como será o caso da Rússia, se von der Leyen estiver certa nas suas previsões, estar em guerra e ter as suas contas no exterior congeladas, devido às sanções ocidentais, que se estima serem superiores a 350 mil milhões em USD e euros, e que não pode usar para pagar os seus compromissos, pode levar a outro tipo de desfecho.
Ursula von der Leyen está correcta na ideia de que as sanções estão a ter um impacto pesado, tendo em conta o que acaba de afirmar a chefe do Banco Central russo, Elvira Nabiullina, mas longe, ainda, de um esmagamento demolidor.
O peso das sanções é já reconhecido oficialmente pelas autoridades russas, com a governadora do Banco Central da Rússia, Elvira Nabiullina, segundo a Russia Today, a dizer no Parlamento (Duma) que o país terá de se adaptar rapidamente ao efeito das sanções, com uma mudança global da sua economia.
"A nossa economia está a entrar num período difícil de mudanças estruturais associadas às sanções, que, primeiro, afectaram o sistema financeiro mas agora começam a ter um impacto forte na economia", disse.
Apesar de o país ainda ter reservas substanciais, mais de 300 mil milhões USD, especialmente em outro e na moeda chinesa, o Yuan, Elvira Nabiullina admite que estas não chegam para muito mais tempo mantendo a estrutura económica do país sem alterações substanciais, sendo mesmo necessário "definir um novo modelo económico".
Uma das medidas em curso no país é o desvio do fluxo de recursos naturais para a região asiática, especialmente a China, mas essa mudança demora a ser implementada totalmente porque toda a sua estrutura, especialmente nos gasodutos, está virada para ocidente.
Outra é a procura de uma alteração no actual modelo de comércio global assente no dólar norte-americano, que os russos, e, embora sem que isso esteja totalmente confirmado, também os chineses e indianos, estão apostados em substituir por outro modelo substanciado no uso das respectivas moedas nacionais para os negociais bilaterais.
Para já...
... é preciso perceber se isso influi ou não na eventual mudança de políticas na Rússia e na sua estratégia face à guerra, até porque o Governo russo já disse que vai pagar todos os créditos nos prazos estabelecidos em moeda nacional, o Rublo, à taxa de câmbio diária, por não ter acesso, devido às sanções, ao seu dinheiro colocado no sistema financeiro internacional, apesar de já ter resolvido um desses momentos pagando através de uma das contas congeladas, o que obrigou a um levantamento breve das sanções por ser esse o interesse imediato do credor ocidental.
Pode ser também decisivo para o desfecho desta guerra o resultado da reunião anual do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial (BM), com as instituições de Breton Woods a terem, sem dúvida, em cima da mesa, como ponto principal, a questão dos efeitos deste conflito no leste europeu na economia mundial, sendo já, apesar de se estar no início do problema, devastadores em grande parte do mundo, desde logo nas regiões mais pobres, como África, Ásia e partes da América do Sul, onde os bens alimentares essenciais já começam a faltar ou estão tão caros que os menos favorecidos não os conseguem adquirir.
A Rússia e a Ucrânia são os maiores produtores de cereais do mundo, a Rússia é o país com mais recursos naturais minerais em todo o planeta, entre estes muitos dos considerados estratégicos, desde logo o petróleo, o gás, o carvão, o urânio, terras raras... e, não menos importante, fertilizantes e adubos, e a Ucrânia é um dos poucos produtores mundiais de alguns elementos para o fabrico de componentes essenciais nas telecomunicações e ligas metálicas para a indústria aeronáutica e outras com recurso a tecnologia avançada.
Alguns analistas admitem que, deste encontro anual do FMI e BM, que vai durar toda a semana, e face às consequências devastadoras na economia ocidental, devido ao efeito ricochete das sanções na Europa e nos Estados Unidos, além da destruição económica nos países menos favorecidos, poderá surgir a pressão que falta para que Kiev e Moscovo se sentem à mesa das negociações e ponham fim a esta guerra...
Nestes encontro de Primavera, o FMI vai divulgar a actualização das suas projecções económicas para o mundo, sendo já certo que vai cortar nas previsões para 2022 e 2023, anunciou a sua directora-geral.
Kristalina Georgieva admitiu que o impacto do conflito vai contribuir para uma revisão em baixa para quase 150 países, representando 86% do PIB mundial.
A discussão de medidas que permitam aliviar a pressão dos efeitos da guerra nos mais pobres, com as palavras recentes do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, em pano de fundo, tendo este dito que um dos mais devastadores efeitos é que 1/5 da população mundial, mais de 1,7 mil milhões de pessoas, estão à beira do abismo da fome, com crescentes dificuldades em encontrar forma de lhes acudir devido à inacessibilidade dos cereais da Ucrânia, e parte dos da Rússia, devido às medidas nacionais tomadas nesse sentido.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 4 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.