Volodymyr Zelensky tem apostado uma boa parte das horas que ocupa nas redes sociais e nas intervenções em dezenas de parlamentos em duas frentes bem definidas, pedir mais e mais armas para combater os russos, que invadiram o país a 24 de Fevereiro, e ao boicote às importações de gás e petróleo russos, com os quais o Kremlin está a financiar a guerra. SE o primeiro objectivo tem sido de grande sucesso, o segundo... nem por isso.
O líder ucraniano conseguiu, ao longo dos quase dois meses de guerra, que os países europeus, com destaque para a Alemanha e os vizinhos do leste, Polónia, Eslováquia, Países Bálticos e Roménia, os EUA, a Austrália e o Canadá, inundassem as suas forças armadas de armamento que tem sido decisivo no apregoado sucesso de resistência às forças russas, especialmente em mísseis contra carros de combate e antiaéreos.
Já no que diz respeito ao pretendido embargo à energia russa, Zelensky tem tido menos sucesso, apesar de os Estados Unidos terem, de imediato, proibido a importação de crude e gás, dos quais é actualmente produtor/exportador.
Isto, porque a Europa, pelo contrário, é largamente dependente destes, mais de 25% no crude e perto de 50% no gás. E nalguns países, como a Alemanha, seria impossível manter a economia funcional sem o acesso a estas matérias-primas russas, que a União Europeia, para as obter, paga diariamente a Moscovo mais de 850 milhões de dólares.
O que o Presidente da Ucrânia quer é que os países europeus cessem de imediato as importações de gás e petróleo russos, mesmo admitindo publicamente que isso seria desastroso para toda a economia europeia e, face à continuidade dessas importações, Zelensky parece estar a perder a paciência, especialmente com dois países: a Alemanha e a Hungria.
Se a Hungria já disse de forma clara que não vai aceitar embargos à energia russa de modo algum, a Alemanha tem mantido uma postura paciente e negocial para termos mais aceitáveis de diminuir a necessidade da energia russa, anunciado um prazo mais alargado que aquilo que parece ser razoável para o líder ucraniano, acusando directamente a Alemanha de estar a trabalhar no sentido de manter o fluxo de crude e gás russos para a Europa.
Em declarações à britânica BBC, o Presidente da Ucrânia disse países que mantêm as compras de petróleo russo estão a favorecer as respectivas economias "graças ao sangue dos outros", elogiando os EUA e o Reino Unido neste contexto, o que é coerente visto que Washington e Londres são os principais apoiantes da continuidade da resistência armada da Ucrânia, mantendo uma diplomacia activa contra as negociações políticas sem uma vitória clara da resistência de Kiev.
E isso parece estar a dar frutos sólidos, porque Zelensky, nesta entrevista à BBC, admitiu que começa a fechar-se o espaço viável para negociações com a Rússia no sentido de haver um acordo para terminar o conflito, alegando a extrema violência das forças russas nas cidades por onde passou e as quais mantém sob cerco, como Mariupol, onde Moscovo diz estar o grosso das forças do importante Regimento Azov, da raízes nazi-fascistas.
A questão do petróleo e do gás natural parecem ser, neste momento, o elemento-chave na relação entre a União Europeia e a Rússia, estando a generalidade dos países europeus em busca de alternativas de fornecimento destas matérias-primas.
É para desbravar esse caminho que o primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, visita Angola e República do Congo nestes dias, estado prevista a sua chegada a Luanda a 20 de Abril, estando previsto, nesse dia, uma audiência com o Presidente João Lourenço, partindo, a 21, para Brazzavile, onde falará sobre o mesmo assunto com Denis Sassou N"Guesso.
A viagem do primeiro-ministro italiano, segundo a Lusa, faz parte dos esforços de seu governo para diversificar as importações de energia, especialmente após a invasão russa da Ucrânia, explicaram fontes do Executivo italiano à agência de notícias espanhola Efe.
A Itália importa quase todo o gás que consome do exterior, cerca de 90%, e aproximadamente 40% vem do território russo.
Na última segunda-feira, Draghi viajou para a Argélia, o seu segundo fornecedor de gás, depois da Rússia, e conseguiu assinar um acordo para importar mais daquele país do norte de África.
No âmbito desta estratégia de diversificação de abastecimento, o ministro dos negócios estrangeiros italiano, Luigi Di Maio, passou nos últimos meses por outros países como o Azerbaijão, de onde Itália recebeu em 2021 7.214 milhões de metros cúbicos de gás, através de um tubo que atravessa o mar Adriático, ou o Catar, de onde importou 6.877 milhões.
No último mês e meio, Di Maio deslocou-se ainda à República do Congo, Angola e Moçambique, e assegurou que "todos estes países têm estado disponíveis para aumentar a oferta" de hidrocarbonetos.
Entretanto, na frente de guerra...
Enquanto as forças do Kremlin se concentram na região do Donbass, para tomar o que falta das repúblicas independentistas de Donetsk e Lugansk, e enfrentar numa batalha que os analistas militares afirmam poder ser decisiva, mas a sul, sucedeu um dos piores dias para Vladimir Putin... perdeu o seu navio-almirante da frota do Mar Negro.
A Rússia confirma o mais imponente e poderoso navio da frota russa do Mar Negro, o "Moscovo", afundou no Mar Negro, com as formas ucranianas a garantir que este foi ao fundo devido ao impacto de dois dos seus mísseis "Neptuno" enquanto a Rússia garante que a embarcação sofreu uma explosão no seu paiol de munições, devido a um incêndio a bordo.
Mas, esta é, ao 50º dia de guerra, uma das maiores, senão a maior, perda em material militar russo, e, na mesma dimensão, um dos maiores feitos das forças ucranianas,
O cruzador de mísseis Moskva, a principal embarcação da frota russa no mar Negro que as forças ucranianas asseguram ter atacado, afundou enquanto estava a ser rebocado durante uma tempestade, adiantou esta quinta-feira o Ministério da Defesa da Rússia.
"Durante o reboque do cruzador Moskva para o porto de destino, o navio perdeu a estabilidade devido a danos no casco sofridos no incêndio decorrentes da detonação de munições", noticiou a agência estatal TASS.
O Ministério de Defesa russo tinha indicado anteriormente que o fogo a bordo do navio estava "controlado" e que o cruzador tinha mantido a sua "flutuabilidade", enquanto anunciava uma investigação às causas do desastre.
As autoridades russas tinham também indicado que o reboque do navio estava a decorrer e que a tripulação, de várias centenas de pessoas, tinha sido retirada para outros navios da frota russa no mar Negro.
A Ucrânia, pelo seu lado, tinha reivindicado o ataque ao cruzador, atingido por mísseis Neptuno.
Durante a madrugada de quarta para quinta-feira, o governo russo reconheceu danos significativos no navio.
Mas a Rússia parece estar a ter mais sucesso na captura da cidade de Mariupol
No terreno, com a rendição do Batalhão Azov, pelo que se sabe, todos os membros que dele restavam, na cidade de Mariupol, e com deslocação das forças que estavam a cercar Kiev para a região leste, onde, acabaram por completar o cerco, segundo analistas militares, às cerca de 80 mil tropas ucranianas posicionadas entre o Rio Dniepre, que atravessa ao país, e o Donbass, a ofensiva russa parece estar agora a recuperar algum fulgor perdido, estando mesmo, segundo Zelensky, a ser preparada a mais pujante ofensiva de Moscovo nesta região.
Isso parece coincidir com as perspectivas de alguns analistas militares que apontam como objectivo imediato de Vladimir Putin conseguir uma vitória total ou parcial para poder vangloriar-se disso mesmo quando comemorar o Dia da Vitória, a 09 de Maio, em Moscovo, na tradicional gigantesca parada militar que celebra o triunfo soviético sobre a Alemanha nazi de Adolf Hitler, em 1945.
E para emoldurar esse momento, o Presidente russo disse, na terça-feira, esteve com o seu homólogo e aliado bielorusso, Alexander Lukashenko, no cosmódromo da Vostochny, onde adiantou, confrontado com as sanções a que a Rússia está a ser sujeita por parte dos países ocidentais, que Moscovo tem apenas "objectivos nobres" nesta operação militar na Ucrânia.
Sobre o conflito na Ucrânia, que começou a 24 de Fevereiro com o avanço das forças sob seu comando sobre a Ucrânia, Putin sublinhou que tal confronto era uma inevitabilidade "u uma questão de tempo", face ao crescente pendor nazi-fascista da governação ucraniana.
O senhor do Kremlin apontou, numa breve conversa com jornalistas, já no cosmódromo de Vostochny, na região de Amur, situada no extremo leste russo, e um centro estratégico da indústria aeroespacial do país, onde Moscovo pretende concentrar a sua actividade do sector e diluir a dependência de Baykonur, no Cazaquistão, que esta guerra resultou de um longo processo de transformação da Ucrânia num "centro anti-Rússia" com base em ideologias nazis e fascistas plantadas estratégica e intencionalmente.
Citado pelos media russos a partir da TASS, Vladimir Putin acrescentou, nesta curta conversa, que se sabia há muito tempo que esta guerra iria ter lugar porque essa "base nazi e anti-russa não podia deixar-se em crescimento tão próximo da Rússia", sendo, por isso, "uma clara questão de quando e não se teria lugar".
E disse ainda que todos os "nobres e facilmente compreendidos" objectivos "vão ser alcançados" no fim da denominada operação militar especial, designação oficial da invasão da Ucrânia, que passa por garantir apoio total às repúblicas independentes do Donbass, Donetsk e Lugansk, garantindo ao mesmo tempo "a segurança da própria russa".
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 4 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.