O vice-Presidente da República Centro-Africana (RCA), Evariste Ngamana, ainda os ecrãs das televisões do mundo inteira estão quentes com o motim falhado de Prigozhin e dos seus soldados da fortuna, vem agora garantir que a presença da Rússia no país está garantida, seja através do Grupo Wagner, seja através de uma outra estrutura armada que os substitua.
Mas não é só na RCA que a presença dos agora antigos homens de Prigozhin é para continuar, também no Mali isso é um dado adquirido, garantiu Lavrov em declarações aos media russos no rescaldo da rebelião do último fim-de-semana que acabou a 20 kms de Moscovo quando já se antecipava no ocidente um banho de sangue.
Se na RCA, os mercenários "Wagner" estão como guarda pretoriana do Presidente Faustin-Archange Touadéra, e como apoio ao Exército do país no combate à guerrilha que há anos tenta um assalto ao poder em Bangui, no Mali foram estes que ocuparam o lugar das forças internacionais lideradas pela França no confronto com os jihadistas, depois de o Governo da junta militar em Bamako ter exigido a saída do país do contingente enviado por Paris.
Mas o braço paramilitar de Moscovo em África, que agora deverá, depois do motim falhado, ser alvo de uma profunda reestruturação, havendo mesmo notícias que apontam para uma mudança de "marca", não se restringe à RCA e ao Mali, a sua presença está igualmente confirmada em países como a Líbia, Madagáscar, Moçambique, RDC, Burquina Faso, ou ainda noutras latitudes, como na Venezuela...
A sua presença está umbilicalmente ligada à fragilidade democrática dos Governos que protege, que se apoiam na sua capacidade combativa e na ligação a toda a híper-estrutura russa, desde a sua capacidade de recolha de informação (intelligentsia) ao seu notável poder de influência na área económico-militar através do negócio do armamento e dos cereais, vitais para a maior parte dos paísses onde o Wagner é a extensão armada de Moscovo.
Porém, Moscovo não confirma a actividade militar directa dos seus "homens" no terreno, sublinhando permanente tratar-se de elementos ligadas à cooperação e formação das forças aramadas locais, nomeadamente como instrutores, como o acaba de apontar Sergei Lavrov, o que é factual em Moçambique ou em Madagáscar, mas não o é no Mali, no Burquina ou na RCA, onde executam missões de cariz estritamente militar, essencialmente de contraguerrilha e insurreição.
E isso é especialmente evidente na RCA, onde o Grupo Wagner chegou em 2018, como instrutores, evoluindo depois, especialmente em 2020, como força de choque do Presidente Touaderá, que foi essencial para a sua manutenção no poder face ao avanço dos rebeldes, além de terem em curso um ambicioso e abrangente projecto de exploração dos recursos naturais deste país, desde logo o ouro e diamantes, mas também, segundo algumas fontes, as estratégicas terras raras, estando igualmente ligados a suspeitas de cometimento de crimes diversos, incluindo graves situações de violência extrema contra as populações locais.
Nas declarações à Russia Today, o chefe da diplomacia russa acrescentou ainda que é na RCA e no Mali que a presença dos "Wagner" é mais estratégica para Moscovo e onde a sua força é mais expressiva e necessária face aos riscos presentes corporizados pelos rebeldes na RCA e os jihadistas no Mali.
"A pedido do Governo de Bangui, centenas de instrutores russos estão na RCA, e este trabalho, vai continuar, tanto na RCA como no Mali a sua presença resulta de pedidos nesse sentido por parte dos Governos locais e são considerados essências para a sua segurança", disse Sergei Lavrov, que notou ainda que aqueles que falam em pânico com a eventual saída dos homens da Wagner estão enganados: Não vejo pânico nenhum nem vejo sinais de mudança nas relações entre estes países e a Federação Russa".
A montanha-russa em Moscovo
A indisfarçável turbulência no seio do poder em Moscovo no pós-motim falhado de Prigozhin, embora sem a dimensão que os media ocidentais procuram projectar, nomeadamente com a divulgação, sem confirmação oficial, mas isso é normal porque o Kremlin, normalmente, fecha-se nestas situações mais melindrosas, das detenção do general Sergey Surovikin, um dos mais conhecidos oficiais russos, e o actual número dois no comando das operações na Ucrânia, por ligações à intentona intempestiva do líder Wagner.
Esta eventual detenção de Surovikin, apesar de não estar confirmada, e ter sido apenas avançada por dois media, um deles o Moscow Times, com sede em Amsterdão, Países Baixos, com ligações à oposição russa, e o norte-americano, Wall Street Journal, que se tem evidenciado como plataforma para a desinformação da intelligentsia (CIA) de Washington, tem como lógica o facto de ter sido destituído em Janeiro do posto de comandante operacional da guerra na Ucrânia, substituído pelo próprio CEMGFA, Valery Gerasimov, por ordem do ministro da Defesa, Sergey Shoigu.
Isso pode ter proporcionado uma aproximação entre Surovikin, um herói russo que se evidenciou na Síria como comandante das forças de Moscovo que foram em socorro do Presidente Bashar al-Assad, acossado que estava desde 2011 por uma guerra civil forjada numa das mais sangrentas "primaveras árabes" instigadas pelos EUA e outros países ocidente, e o agora ex-líder Wagner, que nutre um ódio de estimação que não disfarça por Shoigu e Gerasimov.
Alias, esta situação permanece envolva num nevoeiro denso de informação, desinformação, contra-informação, no que se espera de uma guerra híbrida, como é a crise Rússia/Ucrânia, que envolve igualmente o próprio Prigozhin, que, na verdade, tal como Surovikin, ninguém vê desde Sábado último, dia em que terminou a revolta dos "wagners".
As fontes citadas pelos media ocidentais garantem que este se deslocou, como anunciado antes por Moscovo, como solução para o problema, para Minsk, na Bielorrússia, onde o Presidente Alexander Lukashenko foi vital para desatar o nó criado pela sublevação, mediando um acordo com o Presidente russo, Vladimir Putin.
Mas a verdade é que Prigozhin dificilmente saíra da crise grave e profunda que criou no seio do poder de Putin tão airosamente, porque se sabe que, nos corredores do Kremlin, pode-se deixar andar, mas esquecer e perdoar é coisa que não se encontra nos registos históricos.
Alias, isso é um dado comum a uma grande maioria dos comentadores ligados aos media russos, incluindo os dos programas de análise e debate que diariamente são transmitidos pelo Russia Today, o canal internacional russo em línguas estrangeiras.