Em vez de uma invasão em larga escala para "erradicar o Hamas da face da terra", como prometeu o ministro israelita da Defesa, Yoav Gallant, a entrada das Forças de Defesa de Israel (IDF- Tsahal) na Faixa de Gaza está a ser feita por etapas, o que, no fim, vai dar ao mesmo em mortes, sofrimento e destruição, apenas menos impactante nos cada vez mais sensíveis ecrãs do mundo.
Começou a perceber-se essa mudança de estratégia a meio da semana passada, quando as IDF divulgaram um vídeo com imagens editadas da entrada de uma coluna de carros de combate e equipamento de engenharia militar no norte de Gaza, depois, até este Domingo, sucederam-se mais três noites de combates compartimentados entre o Tsahal e os combatentes das Brigadas Al Qassam, o braço armado do Hamas.
Alguns analistas entendem que esta opção dos comandos militares israelitas, que têm consigo estrategas norte-americanos com experiência das guerra urbana adquirida no Iraque e na Síria, é, além de uma reacção às manifestações contra a guerra nas grandes cidades europeias e norte-americanas - as do universo árabe não fazem Israel pestanejar - consequência igualmente de altercações internas, entre políticos e militares em Telavive.
Isto, porque se Benjamin Netanyhau, a braços com graves problemas internos, seja na justiça, onde responde por processos sérios de corrupção, seja na política, devido à reacção popular tremenda à proposta de reforma da Justiça, que retira ao Tribunal Supremo todos os poderes e os confere ao Parlamento - o que tem gerado teses de "cabala" na origem dos ataques de 07 de Outubro -, precisa de uma vitória fulgurante para ganhar novo fôlego político, e em tempo de guerra, quase tudo o resto se esquece.
E para os militares a possibilidade de inúmeras baixas nas fileiras do Tsahal e a questão dos reféns na posse do Hamas, impõe-se como travão a um avanço intempestivo, além do estridente grito de revolta dos familiares dos mais de 200 cativos israelitas nas mãos das Brigadas Al Qassam, onde estão igualmente dezenas de soldados capturados no audaz assalto do movimento palestiniano ao sul de Israel.
Mas factos são factos e o que tanto as IDF mostram nos vídeos estrategicamente libertados nos últimos dias enquadrando as operações nocturnas em Gaza, como as televisões internacionais expõem, é que, gradualmente na acção, mas igualmente devastador em morte e sofrimento na população civil da Faixa de Gaza, as IDF somam e seguem, primeiro a partir do ar, com o continuado e inclemente tapete de bombas, depois com os avanços terrestres, onde, apesar de algumas baixas referidas por fontes israelitas citadas pela imprensa, o Tsahal tem conseguido levar a água ao seu moinho.
Ou seja, tem conseguido mapear o complexo de tuneis sob Gaza onde os combatentes do Hamas se refugiam e mantêm os reféns, e tem avançado com ganhos de posição, para o que se espera venha a ser uma paulatina mas vigorosa invasão de Gaza por etapas.
Entretanto, no capítulo da ajuda humanitária, os perto de 120 camiões que entraram na última semana no território, embora sejam o que o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, chamou uma "gota de ajuda num oceano de necessidades" - antes de 07 de Outubro entravam cerca de 150 camiões com bens por dia -, estão a chegar apenas à parte sul da Faixa de Gaza, por determinação de Israel, que mantém em vigor e em aceleração a ordem de êxodo da população civil do norte para sul do Rio Wadi, que separa o território entre o terço mais populoso do norte e o resto, até à fronteira com o Egipto.
O cenário não precisa da fotografia, apenas da moldura, para se perceber o terror que vivem os mais de 2,3 milhões de habitantes de Gaza, um território com apenas 365 kms2, estendido ao longo de uma Faixa com 40 kms por nove de largura, em média, o que resulta na geografia mais densamente povoada do mundo, com 6.500 habitantes por km2.
Mas lá dentro estão também os factos que sustentam o terror e que não deixam dúvidas aos mais resilientes a aceitar que se está perante uma das maiores tragédias em décadas nesta terra sem sorte: mais de 1400 mortos e 3 mil feridos, além de centenas de reféns, entre os israelitas no ataque de 07 de Outubro do Hamas, perto de 9 mil mortos (entre estes 3 mil crianças), algumas famílias inteiras de 20 pessoas ou mais totalmente dizimadas, e 14 mil feridos, entre os palestinianos de Gaza, havendo relatos oficiais da ONU da morte de 60 funcionários das suas agências no território e já há registo de 30 jornalistas mortos.
E não é para menos: em tão escasso território, as forças israelitas, por exemplo, de Sábado para Domingo atingiram 450 alvos em Gaza e de Domingo para esta segunda-feira, 30, foram atingidos 600 alvos, o que ganha contornos dramáticos quando esta informação é avançada, segundo o britânico The Guardian, pela própria Força Aérea de Israel.
A filigrana estratégica israelita
Com esta estratégia, Israel procura, além de aconchegar a consciência das opiniões públicas entre os seus aliados norte-americanos e europeus, chocadas com a brutalidade das imagens de crianças mortas e estropiadas e pela destruição aleatória das bombas das IDF, satisfazer as exigências de EUA, China e Rússia, pelo menos oficialmente, de não provocar um alastramento regional deste conflito, embora os ataques recentes, tanto de norte-americanos como israelitas, a aeroportos e cidades na Síria possam parecer o contrário.
O grande e mais sério perigo vem do sul do Líbano, que confina com o norte de Israel, onde "reina" o Hezbollah, um dos braços armados do Irão na vasta região do Médio Oriente, que ameaça abrir uma nova frente de guerra com Israel, estando ainda fresco na memória de Telavive a guerra de 2006, onde este movimento político-militar impos uma pesada derrota ao Tsahal, o que só não foi mais humilhante porque um acordo intermediado pela ONU salvou Israel de uma penosa e condenada guerra para a qual não estava preparado.
E a questão é agora também essa, se está preparado pela manter uma guerra de guerrilha, numa ou em duas frentes - em Gaza e na fronteira com o Líbano -, porque, como têm sublinhado alguns analistas, os major-generais Agostinho Costa e Carlos Branco, na CNN Portugal são disso exemplo, os mas de 300 mil reservistas que fazem o grosso dos 400 mil militares das IDF, não têm o mesmo treino que permitiu a Israel, ao longo da sua história de quase 80 anos, vencer quase todas as guerras com os vizinhos árabes, dando-lhe uma áurea de invencibilidade que o Hezbollah pôs em causa em 2006.
Ouvindo os lideres israelitas, em cima da mesa continua como prioridade "varrer o Hamas da face da terra", com Yoav Gallant e Netanyahu em deslocações aos locais de concentração das tropas que deverão entrar em Gaza, filmadas em modo de heroicidade típica da mais vulgar propagando, incentivando os "guerreiros" para a batalha final contra o "mal", apesar de na frente mediática e nas ruas de todo o mundo, Israel está claramente em perda devido à brutalidade da sua investida assimétrica sobre Gaza.
E, numa acção que contribui para a possibilidade de levar a morte a mais civis em Gaza, Israel cortou totalmente o sinal de internet no território, o que levou, por exemplo, a que os serviços de socorro deixassem de ser contactados com a brevidade que as situações dramáticas continuadas exigem.
Isto, ao mesmo tempo que, justifica Israel, dificulta as comunicações entre as unidades do Hamas - que, naturalmente têm sistemas alternativos de comunicação e não usam a porosa internet -, embora alguns analistas sublinhem que serve esta medida igualmente para reduzir a saída de imagens dramáticas de vítimas civis, especialmente crianças, para o exterior, onde Israel está claramente a perder espaço e razão, como o demonstra a votação na Assembleia-Geral da ONU, onde uma esmagadora maioria de países, entre estes Angola, exigiu um cessar-fogo humanitário imediato.