O recado não poderia ser mais claro e foi dado pelo ministro chinês dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, durante a cimeira anual do Governo do Presidente Xi Jinping, em Pequim, denominada "Duas Sessões", onde também reafirmou a aproximação estratégica a Moscovo.
Com o desenrolar dos acontecimentos de abrangência global a grande velocidade, como a guerra na Ucrânia ou o conflito no Médio Oriente, a histórica construção da parceria estratégica entre China e Rússia tem sido ignorada como tema principal pelos media ocidentais.
O eixo Pequim-Moscovo tem feito questão de se mostrar periodicamente para dissolver quaisquer dúvidas sobre a sua solidez, face a um evidente esforço no ocidente para ignorar este tópico, apesar de ser um pivot fundamental da nova ordem mundial em construção.
E em Pequim, essa determinação tem sido particularmente vigorosa, porque a sua diplomacia, sempre que posta à prova, tem reagido com assertividade, como o fez agora Wang Yi, recorrendo a uma imagem metafórica crua e dura.
Ao dizer que chegou a hora de acabar com décadas de domínio ocidental - "os que estão sentados à mesa" -, face ao sul global - "os que fazem parte do menu" -, o chefe da diplomacia chinesa reafirma o empenho de Pequim na plataforma com Moscovo para fazer emergir uma nova realidade internacional com todos à mesa e sem que os mais fortes se alimentem dos mais fracos.
Realidade essa que russos e chineses, com a Índia do primeiro-ministro Narendra Modi, e o Brasil de Lula da Silva, a apoiarem, como os próprios já o afirmaram sem titubear, querem que seja baseada na cooperação entre iguais e na solidariedade entre Nações.
Sendo a China a maior potência económica do Sul Global, e a segunda maior do mundo, é natural que seja o "inimigo a abater" dos Estados Unidos, líder do Ocidente Alargado, e privilegiado, como acusam os desfavorecidos que estão "no menu".
Mas Pequim não entende o porque dessa obsessão norte-americana com o crescimento chinês, que, curiosamente, nos EUA é assumido oficialmente, e diz que Washington está focada na busca da "supressão" da China no xadrez mundial.
Para enfrentar os EUA e os seus aliados do Ocidente Alargado, que vai da Europa Ocidental ao Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia, a China conta com os BRICS, que agrega agora 11 países, incluindo três africanos, África do Sul, Etiópia e Egipto, e a Nigéria se prepara para aderir, além de, entre outras potências, sauditas e brasileiros.
Mas é no eixo Pequim-Moscovo que está o "aço" da nova ordem mundial baseada na cooperação entre iguais para substituir a baseada em regras definidas pelos EUA no pós II Guerra Mundial, e foi isso mesmo que Wang Yi deixou claro nestas "Duas Sessões" na capital chinesa.
Admitindo que as relações com os EUA são "críticas", Yi sublinhou que o foco está no aprofundamento das ligações com a Federação Russa, porque é nesse eixo que Pequim entende estar o dissolvente para as sanções norte-americanas às empresas chinesas e à economia chinesa.
O responsável máximo pela diplomacia do gigante asiático enfatizou que os próximos meses vão ser substantivos para a consolidação das relações com os russos, o que deve ser algo de novo, porque há quase dois anos e meio que ambos os países afirmam que o entendimento mútuo não tem paralelo na história.
Traduzido em números, este entendimento dá a cifra de 240 mil milhões USD em trocas comerciais em 2023 e tanto Putin como Xi apontam já como meta os 300 mil milhões em 2024, sendo o sector energético russo e o industrial chinês o "motor" destes negócios.
Em suspensão permanente sobre as relações sino-russas está o facto de a economia russa ter resistido às avassaladoras sanções impostas pelo ocidente com a derivação das suas exportações de petróleo e gás para oriente, especialmente para a China e para a Índia.
Com isso, e com o fomento das trocas comerciais com os países da Ásia e América do Sul, que não alinharam com a sanha sancionatória dos EUA e da União Europeia, a Rússia tem conseguido crescer economicamente mais que os seus opositores ocidentais.
Como o FMI prevê, a Rússia vai crescer 3,6% este ano, substancialmente mais que os 1,3% no bloco europeu e os ínfimos 0,2% para a Alemanha, o motor industrial da Europa claramente a sofrer o revês das sanções ao gás natural que importava da Rússia e passou a comprar aos EUA.
Igualmente em pano de fundo a estas palavras de Wang Yi está a guerra comercial que os EUA declararam à China durante o consulado de Donald Trump, e que Joe Biden não dissolveu, e ainda a real possibilidade de uma guerra entre as duas superpotências por causa da ilha de Taiwan.
E também o facto de a saída dos EUA da cena da guerra na Ucrânia significar um recentramento do belicismo comercial e de facto na região do Indo-Pacífico, especialmente no esforço já assumido como estratégico de conter a expansão da influência chinesa (ver links em baixo), a pressão militar no Mar do Sul da China e a procura de conter o exponencial efeito da aproximação à Rússia.
Esta luta de gigantes não é alheia ao continente africano, onde os EUA, com Joe Biden, estão claramente a atacar os ganhos de influência económica e política da China e da Rússia (ver links em baixo) nas últimas décadas.
Todavia, esse esforço, se se confirmar a vitória antecipada pelas sondagens de Donald Trump nas eleições de 05 de Novembro, será em vão, porque o antigo Presidente americano já disse por diversas ocasiões que não está interessado em manter o foco actual de Washington sobre o resto do mundo, excepto na contenção do crescimento da China a oriente, especialmente no Indo-Pacífico.