Para governar sem sobressaltos, o ANC, com 40,18%, tem, hipoteticamente, duas soluções que, aritmeticamente, lhe garantem uma maioria estável, a Aliança Democrática (AD), que conseguiu 21,18%, o segundo mais votado, ou MK (14,48%), do antigo Presidente Jacob Zuma.

Outra possibilidade, mais complexa, é aliar-se a Julius Malema, dos Combatentes pela Liberdade Económica (EFF, na sigla em inglês), com 9,52 %, precisando ainda, para evitar pormenores, do apoio d eum dos pequenos partidos que obtiveram entre 1 e 2 %.

Apesar de, para quem olha de fora, a solução natural ser o ANC juntar forças com o partido do seu antigo líder, o MK, de Zuma, ou com os EFF, do igualmente antigo militante do ANC, Julius Malema, a solução preferida de Ramaphosa parece ser a menos natural.

Dando corpo a uma das frases históricas de Nelson Mandela, o primeiro Presidente sul-africano no pós-apartheid, em 1994, "Isso parece sempre impossível até ser feito", Cyril Ramaphosa, como destaca esta segunda-feira a imprensa do país, está mais inclinado para a AD.

Isto, porque a Aliança Democrática é a herdeira natural, embora rejeitando de forma liminar o apartheid, e quaisquer laivos de traços xenófobos ou racistas, do aparelho político-partidário do regime que governou a África do Sul de 1948 a 1994.

Os resultados finais foram confirmados no Domingo, como estava previsto, embora já se soubesse desde sexta-feira, como o Novo Jornal noticiou aqui, que o ANC tinha tido uma derrapagem eleitoral histórica, deixando este partido com um dilema gigante pela frente.

Qualquer que seja a solução, o ANC pode ter de lidar com uma lâmina de dois gumes de olhos vendados, porque se uma aliança com a AD lhe permite a estabilidade necessária e alguns dos mais qualificados quadros do país, por outro lado isso, em caso de bons resultados na governação, poderá expor ainda mais as fragilidades do partido.

O que, em tese, seria uma vantagem para a AD, que, como sugerem alguns analistas, está longe de ser o partido dos brancos, como, de resto, se pode verificar pela sua lista de candidatos ao Parlamento e entre os dirigentes locais e nacionais, e teria assim a primeira oportunidade em 30 anos de mostrar o que vale.

Por outro lado, ainda, como notam igualmente algumas vozes que podem ser encontradas por estes dias na imprensa sul-africana, uma coligação, directa ou por via de acordos parlamentares pontuais, levaria os partidos de cariz mais nacionalista, como os EFF ou o MK, a ganharem tracção para crescerem de forma substantiva em futuros embates eleitorais.

Todavia, a leitura que será feita no futuro de uma junção de esforços entre o ANC e a AD, que combinam cerca de 62% dos votos e somam 159+87 dos 400 lugares no Parlamento, uma maioria mais que confortável, estaria totalmente dependente da destreza política dos líderes de ambas as forças.

Até porque, antes de se ocuparem deste tipo de leituras, Ramaphosa e o líder da AD, John Steenhuise (ambos na foto), teriam, em caso de um entendimento, de olhar friamente para os problemas do país mais flamejantes, como o desemprego histórico nos 32%, a inflação galopante, a corrupção que corrói todo o tecido socio-económico sul-africano ou a extrema pobreza que envergonha um país que já foi um exemplo continental em matéria de bem-estar social...

Mas, para saber o que vai sair das conversações entre os dois partidos, será necessário esperar ainda algumas horas, ou mesmo dias. A única certeza é que Cyril Ramaphosa, apesar do resultado negativo, mantém a confiança do seu partido e deverá manter o lugar.