Do Cairo, a capital do Egipto, chegam notícias contraditórias, com a televisão Al-Qahera News a avançar que o Hamas e Israel, o que ambos negam, estão quase a chegar a um acordo de princípio sobre o modelo de cessar-fogo em Gaza.

Esta notícia ganhou forte tracção nos media mundiais porque coincide no tempo com o anúncio por parte do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyhau, de uma inesperada retirada de quase todos os militares do sul da Faixa de Gaza.

Se essa retirada das Forças de Defesa de Israel (IDF) é sinónimo de apenas um intervalo nas hostilidades ou o preâmbulo de um cessar-fogo alargado, como quer o Hamas e exige quase toda a comunidade internacional, para já é ainda cedo para o afirmar...

Sabe-se, no entanto, que nos mercados petrolíferos, onde esta guerra tem um tremendo impacto desde que ganhou a actual intensidade, a 07 de Outubro de 2023, estão a acreditar que existe uma forte possibilidade de o genocídio israelita da população de Gaza ser travado.

O momento está a ser marcado por um crescendo de países que alinham com a África do Sul na acusação de genocídio do povo palestiniano no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) e com os Estados Unidos a atingirem o ponto de ruptura com o seu mais importante aliado em todo o mundo.

E pode, com este cenário em pano de fundo, ganhar dimensão de esperança para os sobreviventes da mortandade israelita em Gaza, que estão agora ameaçados também pela expansão da fome e das doenças, que já matam mais que a pólvora.

O estranho caso de Benjamin...

Porém, nada está garantido, até porque Benjamin Netanyhau também já veio dizer que para Israel só haverá condições de definir um cessar-fogo alargado com a libertação dos israelitas que o Hamas levou para o território durante o assalto ao sul do país a 07 de Outubro do ano passado.

São cerca de 120 israelitas, na sua maioria militares, que o Hamas mantém como reféns na Faixa de Gaza desde aquela data, enquanto Israel mantém milhares de palestinianos nas suas cadeias sem qualquer acusação, incluindo centenas de mulheres e crianças, a quem os media ocidentais chamam prisioneiros nas cadeias do Estado israelita.

Em seis meses de guerra, onde empregou uma força de mais de 400 mil militares, apoiados pela aviação, especialmente os esquadrões de F-35 norte-americamos, os aviões de guerra mais sofisticados do mundo, marinha e artilharia, Israel não atingiu nenhum dos objectivos a que se propôs.

Nem os reféns foram libertados, nem o Hamas foi aniquilado, nem Gaza deixou de ser uma ameaça para Israel, que persiste, contra várias resoluções da ONU, a expandir os seus colonatos ilegais na Palestina, especialmente na Cisjordânia, territórios que mantém sob apetada ocupação militar.

Mas as IDF mataram mais de 33 mil civis palestinianos, entre estes mais de 14 mil crianças, que com as mulheres perfazem mais de 70 por cento destas vítimas inocentes, além da selvática destruição total ou parcial de todos os hospitais do território, centros de apoio humanitário e infra-estruturas de distribuição de água e electricidade.

Alguns analistas notam que as IDF podem estar num beco sem saída, porque Gaza, uma faixa de terra com 40 kms de comprimento por nove de largura, com 2,3 milhões de habitantes, tem mais de 80% do seu edificado em escombros, o que deixa Telavive sem muito mais para destruir para alcançar os seus objectivos.

Os aliados também fogem

Além disso, Netanyahu vive, quando passaram neste Domingo precisamente seis meses desde o ataque do Hamas ao sul de Israel, a 07 de Outubro do ano passado, o mais violento movimento de protesto popular contra o seu Governo nas ruas das grandes cidades israelitas.

E se a vida do mais radical líder israelita desde a fundação do país, em 1948, tanto no extremismo ideológico como no radicalismo religioso, é crescentemente complicada internamente, no exterior, entre os seus principais aliado, é ainda mais agreste.

Excepção feita à Alemanha, que vive um período estranho, onde, por exemplo, o partido Os Verdes, de génese pacifista, se comporta como o mais agressivo falcão de guerra no que diz respeito ao conflito na Ucrânia, e não arreda pé do apoio sem limite a Israel, começa a apertar o cerco a Telavive, com Washington e Londres a darem sinais de ruptura no seu laço histórico com Telavive.

É tanto assim que o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, aflito com o impacto desta guerra na sua campanha eleitoral para as eleições de 05 de Novembro, onde corre, segundo as sondagens, atrás de Donald Trump, já ameaçou Netanyhau com um corte abrupto no apoio militar e financeiro.

Se tal viesse a suceder, isso deixaria Israel sem soluções para manter por muito mais tempo uma guerra de forte atrito financeiro e desafiante para os seus arsenais, até porque também a maior parte dos países da Europa ocidental estão a seguir os passos de Washington.

Recorde-se que o recente ataque a uma caravana de ajuda humanitária da World Central Kitchen, onde morreram sete estrangeiros, britânicos, polacos, australianos e norte-americanos, provocou uma viragem abrupta entre os países ocidentais na forma como olham para este conflito, deixando perceber que os mais de 33 mil palestinianos civis mortos não geraram a mesma indignação que sete ocidentais.

E é por causa deste cenário que a percepção transcrita para os media internacionais é a de que um cessar-fogo em Gaza pode estar iminente, porque interessa ao Hamas, que pode sempre, apesar da destruição de Gaza, dizer que não foi derrotado pelo mais poderoso exército do Médio Oriente, e Netanyhau está sem outra saída que não seja aceitar a realidade da sua actual fragilidade tanto política como militar.

O Irão atacará ou não?

Há, todavia, um possível elemento de mudança substancial neste cenário, que é um crescendo de intensidade nos rumores sobre uma resposta de grande magnitude por parte do Irão, o outro gigante militar da região, ao ataque israelita ao seu consulado em Damasco, capital da Síria, onde foram mortos dois relevantes comandantes da Guarda Revolucionária iraniana.

O Irão está consciente de que um ataque directo a Israel iria despoletar uma guerra aberta com Telavive e teria de enfrentar também os Estados Unidos, que têm uma forte armada no Mediterrâneo Oriental para esse efeito de dissuasão.

Mas, por outro lado, o Governo dos aiatolas não pode dar um novo sinal de fraqueza aos inimigos, Israel e EUA, depois de em 2020, um drone norte-americano ter abatido o general Qassem Soleimani, o chefe da Guarda Revolucionária do Irão e herói nacional, sem a adequada vingança prometida por Teerão.

Se, como se espera, a resposta iraniana vier, como sempre, até agora, pelo menos, através dos seus "proxys", o Hezbollah, no sul do Líbano, ou os Houthis, no Iémen, ou ainda dos vários grupos xiitas no Iraque e na Síria, o assunto morrerá em pouco tempo.

Mas se, como alguns analistas temem, pela primeira vez o Irão atacar directamente Israel ou, por exemplo, uma embaixada israelita, então, o conflito em Gaza deixará de surgir no mapa do interesse global porque o assunto para a condição de possível catástrofe mundial...

Alias, segundo The Guardian, um conselheiro sénior do líder supremo do Irão, o aiatola Ali Khamenei, veio nas últimas horas sublinhar isso mesmo ao garantir que nenhuma embaixada israelita no mundo está a salvo a partir de agora.

"Qualquer ataque iraniano contra Israel é um legítimo e legal direito de resposta", afirmou Yahya Rahim Safavi, que o Guardian cita a partir da Tasnim, agência de notícias iraniana semi-estatal logo após o ataque israelita ao consulado iraniano em Damasco no dia 01 de Abril.