Por detrás da estagnação do barril em torno dos 40 USD (Brent) voltam a estar as mesmas razões que há quase seis meses atormentam os países que dependem mais das exportações de crude: excesso de oferta e consequente aumento dos stocks, a ameaça de novos surtos da pandemia, o travão de novas encomendas pelas refinarias que têm as margens de lucro a encolher... e ainda o surgimento de dúvidas sobre o cumprimento das quotas dos países da OPEP+ no âmbito do acordo de cortes na produção que deve vigorar até 31 de Julho...
A permanência do barril de Brent acima dos 40 USD - 42,22 USD hoje, cerca das 10:00, nos contratos de Agosto, mais 0,2% que no fecho da sessão de sexta-feira - não é uma má notícia para Angola, tendo em conta que por todo o mundo surgem cada vez mais casos do novo coronavírus, aumentando receios de novas ordens de confinamento para travar a pandemia, e ainda porque este valor situa-se 7 USD acima do preço de referência para o OGE 2020 (revisto), que é de 35 dólares, embora ainda não tenha, efectivamente, sido aprovado.
Mas esta realidade não é, de todo, seguro que se vá manter por muito tempo, como, alias, é disso um bom indicador os efeitos da crise planetária nos dois gigantes africanos do petróleo, Nigéria e Angola, ambos com uma antiga e pesada dependência das exportações de crude.
Angola, por exemplo, tem no petróleo mais de 90% do total das suas exportações, embora o último relatório da OPEP seja muito claro na forma como a crise e os acordos realizados para lidar com os seus efeitos está a influir negativamente na produção nacional.
Por exemplo, segundo este documento, em Maio, o valor das exportações angolanas caiu quase metade, para 380 milhões USD, comparado a Abril, sendo que o volume da produção igualmente está igualmente a observar um forte deslize: de 1,402 milhões de baris por dia (mbpd) em Março, para 1,313 mbpd em Abril e para 1,280 mbpd em Maio.
Um valor muito baixo para as necessidades de tesouraria do país, e até mesmo abaixo do que a Agência Internacional de Energia (AIE), em Março de 2019, no seu relatório anual, estimava que seria a produção angolana em 2023, de 1,29 mbpd, feito que foi alcançado agora, em Maio de 2020, o que é um cenário catastrófico, mesmo que seja sabido que isso se deve, em grande medida, à crise gerada pela pandemia do novo coronavírus.
Na Nigéria, o maior produtor africano, o cenário é ainda mais severo, de acordo com dados revelados pelas agências, devido aos mesmos problemas sentidos por Angola, baixos preços e alta dependência do crude exportado, mas ainda porque os produtores independentes, que garantem mais de 1/5 do petróleo do país, acima de 400 mil bpd, estando a sua derrocada relacionada com os projectos de negócio que foram estabelecidos numa altura, há mais de seis anos, em que o barril valia mais de 100 USD e agora, que está a 40 USD. Mas as obrigações assumidas não se alteraram...
Mas, ao contrário de Angola, onde esse efeito ainda não foi divulgado, pelo menos nesta dimensão, na Nigéria as dificuldades estão já a espalhar-se pelo sector de suporte à indústria petrolífera, especialmente depois de a companha nacional, a gigante NNPC, exigido que esse mesmo sector reduzisse os custos em até 40%, de forma a retirar mais de 10% nos custos de produção por barril no prazo de um ano.
Esta situação é quase nada perante a realidade nigeriana, apesar de ser trágica para uma boa parte desta indústria, porque, como lembra o site OilPrice, o país apresenta o mais elevado breakeven por barril do mundo, qie é de 144 USD /por barril, devido aos elevados custos de refinação e aos elevadíssimos níveis de corrupção no seio do Governo de Abuja.
Tal como Angola, a Nigéria tem estado envolvida em processos de revisão do seu OGE, inicialmente definindo o preço de referência do barril nos 57 USD, depois foi avançado que seria de 30 e, agora, como confirmou o ministro das Finanças, Zainab Ahmed, esse valor já está em 20 USD.
2020, Annus horribilis
Estas dificuldades não estão a ser evidenciadas por acaso. O ano de 2020 vai ficar na história da indústria petrolífera como aquele que registou a maior queda de sempre no consumo global de crude, avançou recentemente a Agência Internacional de Energia (AIE) no seu último relatório sobre os mercados petrolíferos.
Esta Agência, o organismo mais abrangente na vigilância das flutuações mundiais do petróleo, estima, no entanto, que a seguir ao ano trágico de 2020, seguir-se-á o ano milagroso de 2021, para o qual a AIE aponta uma "recuperação histórica", mesmo a mais vincada de sempre desde que existe indústria petrolífera.
Neste documento, onde periodicamente a AIE analisa a evolução dos mercados dos hidrocarbonetos, é sublinhado que 2020 vai observar uma queda diária em média de 8 milhões de barris por dia.
Mas, para 2021, está alinhado neste guião da AIE uma subida em média diária de 5,7 milhões de barris por dia.
Por detrás deste sobe e desce está a crise económica global gerada no rasto da pandemia da Covid-19 provocada pelo novo coronavírus que foi detectado pela primeira vez, em Dezembro de 2019, na cidade chinesa de Wuhan, e que, em escassas semanas alastrou a praticamente todos os países do mundo, estando hoje especialmente activa em países como os EUA, o Brasil e outros Americanos, embora a China tenha voltado a estar em foco estas semana depois de descoberto um surto potencialmente desastroso em Pequim. Como o Novo Jornal noticiou também.
A AIE admite que, estando 2020 a atravessar a linha do semestre, são já, no entanto, visíveis os efeitos das medidas tomadas, quer pela OPEP+, o organismo que agrega a OPEP e um grupo de não-alinhados (10) liderados pela Rússia, especialmente o corte de 9,7 milhões de barris por dia (mbpd) entre 01 de Maio e 31 de Julho, e as iniciativas do G20, o grupo das maiores 20 economias mundiais, onde ficou recentemente definido um conjunto alargado de medidas económicas, desde logo o perdão das dívidas dos países mais desfavorecidos, moratórias para os em desenvolvimento e injecções de capital nas economias mais desenvolvidas para contrariar os efeitos pandémicos.
Para os analistas da Agência Internacional de Energia, como fica claramente sublinhado neste documento, os últimos meses de 2020 deverão já mostrar sinais de estabilização, embora isso vá depender da evolução da pandemia da Covid-19, até porque, nestes meados de Junho as notícias que chegam das mais diversas latitudes estão longe de ser totalmente apaziguadoras.
Isto, porque, se por um lado, as grandes economias começaram já a aligeirar as medidas restritivas aplicadas desde Fevereiro para conter a expansão da Covid-19, activando todos os mecanismos de recuperação económica depois de um "Inverno de terror", especialmente nos EUA, na China e na Europa, os três mais poderosos blocos económicos globais, por outro lado, nestes mesmos espaços geoeconómicos, as notícias sobre a "morte" da pandemia estão a mostrar-se ligeiramente exageradas.
Porém, e enquanto estes dados estão a ser "mastigados" pelos mercados, as duas praças de referências globalmente mais importantes na perspectiva angolana, o Brent, em Londres, e o WTI, em Nova Iorque, estão hoje a mostrar solidez mas sem grande mobilidade.
Enquanto o Brent, que, como se sabe, é onde é estimado o valor médio das exportações angolanas, estava hoje, cerca das 10:00, a subir 0,45 %, para os 42,38 USD por barril, consolidando acima da fasquia simbólica dos 40 dólares, relativamente às vendas de Agosto, enquanto do outro lado do Atlântico, o WTI emagrecia ligeiramente, 0,20 %, para 39,75 USD, sendo estes valores referentes às cargas para Julho.
Estas oscilações ligeiras são um pequeno alívio da pressão em baixa dos últimos dias, embora escassas num contexto mais dilatado, porquanto é sabido que o barril perdeu este não mais de 40 por cento do seu valor e esteve mesmo a esvair-se em 70% em meados de Abril, com os gráficos a mostrar que dos 100 mbpd consumidos em Novembro de 2019, apenas 70 mbpd estavam colocados do lado da procura.
A OPEP+ esbateu este pesadelo em cerca de 10 mbpd mas os restantes 20 terão de ser recuperados a partir da normalização das economias planetárias, o que está a suceder, embora mais ligeiramente que o esperado e com armadilhas à espreita, como é o caso dos constantes novos casos de infecção pelo novo coronavírus um pouco por todo o lado, fazendo temer uma segunda vaga de contágios e de confinamentos.
A confirmar estas contas simples, a AIE vem dizer que dos 30 mbpd perdidos para a pandemia, contando com os 9,7 mbpd retirados à produção pela OPEP+, o consumo médio dos últimos três meses está 17,8 mbpd abaixo dos números pré-pandémicos, período análogo em 2019, sendo ainda valores sem precedentes históricos, mesmo que a Agência sublinhe que estão abaixo das suas próprias previsões.
Para os próximos meses, o que se torna cada mais evidente, sendo esse o tom concordante da generalidades do que dizem os analistas, vai ser essencial ter em conta a evolução da pandemia e, dentro deste item, se vai ou não surgir uma vacina eficaz ou um tratamento capaz de tratar o vírus, ao mesmo tempo que um olho tem de estar nos gigantes da OPEP+, Rússia e Arábia Saudita, porque são famosas as suas "birras" ou ainda se os incentivos económicos, nos EUA (Reserva Federal), Europa (BCE), China e Japão serão suficientes e se os mercados se libertam dos receios mostrados até então, nomeadamente nos bolsistas, ou ainda se as múltiplas guerras e guerrinhas comerciais Trump-China vão terminar ou ser realimentadas com o aproximar das eleições Presidenciais norte-americanas.
Mas, regressando ao que impacta directamente os mercados petrolíferos, os analistas apontam a atenção para os sectores da aviação e dos transportes marítimos, cada um deles responsável por cerca de 10% do consumo da matéria-prima anualmente, sendo que ambos estão hoje, e ainda, reduzidos a uma parte quase insignificante da sua actividade por causa da pandemia, sendo que o sector do transporte aéreo de passageiros vive actualmente uma verdadeira crise existencial que pode mudar radicalmente o panorama para o futuro.