Há muito que os Estados Unidos deixaram claro que a política da tartaruga, fechados sobre si próprios, que foi a de Donald Trump entre 2016 e 2020, e em parte de Barack Obama, na década anterior, não é do seu interesse e Joe Biden foi buscar ao baú da "guerra fria" todos os truques da diplomacia de Washington para disputar palmo a palmo, se necessário, o continente africano com a China, especialmente, mas também com a Federação Russa, que na última década se tem posto em biscos de pés, com maior ênfase na África Ocidental e Oriental.
Começou por relançar programas de investimento com alguns países-bandeira, escolhendo, entre outros, Angola, onde o Presidente João Lourenço foi, a meio do seu primeiro mandato, enviando sinais de que estaria interessado em mudar vários "chips" da sua visão geoestratégica, e depois, sem procurar suavizar nada, no segundo mandato, anunciado que essa viragem drástica para ocidente da sua bússola dos interesses era uma escolha consciente e uma opção para o futuro. (ver links em baixo nesta página)
Antes da Cimeira EUA-África, em Dezembro de 2022, que Joe Biden usou para mostrar ao mundo que os EUA estavam de volta a África, Angola já estava no mapa dos investimentos norte-americanos na área das energias renováveis, que é por onde se começou este processo de aproximação político-diplomático entre Luanda e Washington, ficando pouco depois consolidado pelas palavras de João Lourenço e pelo anúncio do investimento de 5 mil milhões USD para o Corredor do Lobito.
E quando Lourenço e Biden reuniram na Casa Branca, em Novembro do ano passado, mais que um encontro entre lideres de dois países, foi a confirmação de uma parceria e amizades que muitos não viram chegar e a outros tantos surpreendeu, especialmente russos e chineses, com quem Luanda está num "fade out" de intensidade nas suas relações bilaterais, sendo alguns dos pontos que o demonstram a recente "exigência" de Luanda para que o gigante dos diamantes russo, a Alrosa, deixe o país, e o esforço empenhado para reduzir a dívida a Pequim...
Embora sem hostilidade gratuita, Luanda deixava assim para trás o pilar que sustentou a reconstrução nacional, no pós guerra, a China, que com as suas bastas e fáceis linhas de crédito de, crê-se, mais de 40 mil milhões USD a partir de 2002 - a dívida é actualmente de perto de 20 mil milhões USD -, e enviava sinais claros a Moscovo que, também no domínio militar, as cartas passariam agora a ser dadas pela indústria militar norte-americana, embora esse processo esteja, aparentemente, mais atrasado.
E é esta nova realidade que o secretário de Estado Blinken vai procurar consolidar e reafirmar quando aterrar em Luanda no final desta semana, vindo já da Nigéria, da Costa do Marfim e de Cabo Verde.
E a importância de Luanda para os EUA é excepcionalmente relevante na África Austral porque, com a África do Sul claramente alinhada com os interesses do Sul Global por quem Moscovo e Pequim dão a cara, é a partir de Angola, provavelmente a maior potência regional miliar e um gigante em potencial de recursos naturais de futuro, que não são já há muito o petróleo e os diamantes mas sim as terras raras, o coltão, o cobalto, a água e as terras aráveis, etc... que Washington pode aspirar a alargar a sua influência, nomeadamente para a RDC e para os Grandes Lagos...
Como pano de fundo a esta reviravolta em Washington da forma como a partir da Casa Branca se olha para o mundo, depois do isolacionismo de Trump para o regresso ao mundo de Biden, está a "guerra" sem quartel por uma nova ordem mundial em construção, que já todos admitem estar a acontecer, de Biden a Xi Jinping e Putin, que opõe o Ocidente Alargado liderado pelos EUA e o eixo Pequim-Moscovo-Nova Deli, e uma boa parte do Sul Global, a geografia menos beneficiada com a "ordem" que emanou do fim da II Guerra Mundial, desenhada pelos aliados ocidentais sob os pilares das grandes organizações globais, como o FMI, o Banco Mundial e a ONU.
Se a aproximação entre os EUA e Angola coincidiu com a decisão de Pequim manter em stand by durante meses, desde que o anterior, Gang Tao, saiu, em Agosto de 2023, a indicação do novo embaixador em Angola, não havendo sinais de outras manifestações de desagrado por parte do gigante asiático, em Cabo Verde a opção foi clara e inequivocamente no sentido de garantir que a luta vai ser renhida.
Ao mesmo tempo que Blinken aterra na Praia, arranca também esta segunda-feira a visita de uma delegação do Fundo de Cooperação e Desenvolvimento China - Países de Língua Portuguesa, anunciada para quatro dias e com o objectivo de reforçar as relações de cooperação entre a China e Cabo Verde na área dos investimentos e oportunidades de negócios.
Entretanto, na nota divulgada no site oficial do Departamento de Estado, pode ler-se que Antony Blinken embarca neste périplo pelos quatro países africanos com os olhos postos no aprofundamento da parceria entre os EUA e África, como ficou definido na Cimeira de Washington, nomeadamente nas áreas do clima, segurança alimentar, e saúde, além do foco prioritário em questões como as relações económicas e o investimento em infra-estruturas no continente, na criação de empregos, apostar nas trocas comerciais e gerar competitividade na economia africana.
Ao mesmo tempo, Blinken vai enfatizar as parcerias na área da segurança, na partilha de valores como o respeito pelos Direitos Humanos e a democracia e o Estado de Direito.