Hoje, o barril de Brent, vendido em Londres mas que determina o valor médio das ramas exportadas por Angola, abriu a bater mais um recorde dos distantes primeiros meses do ano de 2014, que foi o ponto de partida para uma das históricas perdas de valor do crude em largas dezenas de anos, que só viria a ser travada depois de chegar abaixo da casa dos 30 USD dois anos, depois, em Fevereiro de 2016.

Ao bater nos 95,45 USD, o barril de Brent reflectia, em primeira instância, a instabilidade político-militar que se vive no leste europeu, onde a presença de milhares de militares russos junto à fronteira com a Ucrânia, que os membros da NATO, a organização norte-atlântica que junta europeus e norte-americanos desde 1947, dizem ser a antecâmara de uma invasão mas que Moscovo refuta, garantindo que se trata de proteger os interesses vitais nacionais e das populações russas nas regiões ucranianas fronteiriças de Donetsk e Luhansk, onde a maior parte da população é russa.

Mas, numa segunda linha de análise, o que os mercados reflectem é a sequência de uma eventual deflagração de um conflito militar no leste europeu, que deixaria, sem que se saiba durante quanto tempo e em que medida, se parcialmente, se integralmente, o segundo maior produtor de crude do mundo - o primeiro são os EUA - e o segundo maior exportador - o primeiro é a Arábia Saudita - fora dos mercados.

Esta possibilidade é de extrema gravidade porque, nos dias de hoje, a oferta da matéria-prima não corresponde à procura, numa economia global que reflecte o fade out da pandemia da Covid-19 e, como se esperava, ganha nova tracção com o fim dos confinamentos, a abertura das fronteiras, a retoma da aviação comercial q uase em pleno e com os transportes marítimos quase a 100% de novo.

Isto, porque a OPEP+, organização que desde 2017 junta os 13 Países Exportadores (OPEP) a 10 não-alinhados liderados pela Rússia, de forma a manter os mercados em equilíbrio face às dramáticas perdas de valor do crude, que se acentuaram com o advento pandémico no início de 2020, mantém um programa conservador de retoma da produção face aos cortes realizados aquando da dispersão do novo coronavírus a partir da China para o resto do mundo, de 400 mil barris diários acrescentados mensalmente, mas com metas que não está a conseguir cumprir.

Ao não ser capaz de preencher as quotas distribuídas pelos países membros, como é o caso de Angola, um dos que não está a aproveitar a sua parte no aumento de produção devido à contínua degradação da sua infra-estrutura produtiva - em menos de uma década, Angola passou de 1,6 milhões de barris por dia (mbpd) para os actuais 1,1 mbpd -, a OPEP+ está a deixar os mercados com os nervos à flor da pele, especialmente numa altura em que a procura dispara e os riscos de agravamento do contexto mundial, com a crise no leste europeu, se torna um pesado fardo para o qual o mundo não estava ainda preparado devido a dois anos de crise severa que danificou o seu tecido económico.

O estilete de Washington não sai da garganta de Moscovo

Desde que a Administração do Presidente Joe Biden se virou novamente para a Europa, fazendo da Rússia o inimigo nº1, depois de uma aparente aposta falhada, com a criação de uma espécie de nova NATO - o AUKUS, como pode ler nesta notícia do Novo Jornal - com a Austrália e o Reino Unido, onde a região do Indo-Pacífico seria a sua frente de batalha prioritária, devido ao avanço da China e da ameaça de Pequim sobre Taiwan, o problema resvalou rapidamente da ameaça de um conflito sem precedentes e sem mediação entre Moscovo e Washington, para uma iminente disrupção no fornecimento de petróleo e gás russos para a Europa e para o mundo.

O Presidente russo, Vladimir Putin, mantém a garantia de que não pretende invadir a Ucrânia, apesar dos mais de 100 mil militares na vasta linha de fronteira e meios militares de grande envergadura, o que faz tocar todas as campainhas de alarme no ocidente, mas Washington diz que sim, que a invasão está iminente e que existe mesmo, como nunca aconteceu, risco sério de um confronto directo na forma de guerra mundial entre as duas maiores superpotências nucleares.

Face a isto, e com o melindre do costume, os mercados entraram em modo de crise novamente e o barril está a subir como se de um balão a hélio solto no ar, como o demonstram os gráficos do Brent, que perto das 10:00, hora de Luanda, estava a valer 95,05 USD, com oscilações, e o WTI, em Nova Iorque, chegava ao 94,13 à mesma hora, ambos valores que não eram vistos desde os primeiros meses de 2014, quando teve início a queda abrupta dos 100 dólares por barril.

Mas o que mais importa destacar, para os analistas mais atentos, é que estas oscilações de início de semana, com variações ao minuto, reflectem um sentimento claro de insegurança e desconhecimento do que vai suceder no curtíssimo prazo, mas que dá uma informação segura de que o primeiro movimento bélico de uma das partes na linha de fronteira entre a Rússia e a Ucrânia terá, se vier a suceder. Um efeito devastador no valor da matéria-prima, onde a fasquia dos 100 será um simples ponto de partida para o desconhecido.

Quanto às motivações de Biden com este acender do rastilho mas mantendo-o apertado entre os dedos para não chegar ao barril de pólvora, o próprio Presidente norte-americano deixou claro que são o negócio da energia, ao garantir, durante a visita do chanceler alemão, Olaf Scholz, a Washington, na semana passada, que a primeira consequência de uma acção militar de Moscovo seria a destruição do gasoduto nord stream 2, um gigantesco e multimilionário projecto de transporte de gás da Rússia para a Europa, até à Alemanha.

Isto, depois de Biden ter igualmente dado garantias aos europeus de que os EUA estão prontos a abastecer a Europa com os seus excedentes de gás natural, num gigantesco vai e vem de navios abastecedores através do Oceano Atlântico, mesmo que isso represente claramente um custo largamente superior para os consumidores europeus e possa vir a gerar uma nova fase da crise dos preços da energia na Europa, onde o gás natural e os combustíveis estão a valores historicamente elevados.

A crise vista de Angola

Olhar para esta crise a partir de Angola impõe duas vias para analisar o problema, o primeiro é que os preços altos do barril nos mercados são um maná para o Governo, que tem um OGE 2022 elaborado com 59 USD por barril como referência, sendo que o crude ainda representa 95% das exportações nacionais, mais de 35% do PIB e 60% das despesas de funcionamento do Estado.

E o segundo foco é a questão do continuado desviçamento da capacidade de produção nacional, que já está abaixo do 1,1 mbpd quando, ainda há pouco mais de uma década, estava acima dos 1,8 mbpd.

O que isto significa é claro: uma gigantesca perda de receitas para o Estado, mesmo que as receitas estejam claramente a crescer à medida que o valor do barril aumenta, como o demonstra o engordar permanente das Reservas Líquidas Internacionais.

E isso é demonstrado pelos dados fornecidos pela OPEP e que a Reuters avançou na semana passada, sublinhando a agência que o "cartel" tem falhado todas as metas de produção auto-impostas, sendo disso um bom exemplo o mês de Janeiro, onde o aumento da produção da OPEP+ deveria ser de 400 mil barris por dia mas que se ficou muito longe disso, passando pouco dos 200 mil, com Angola a aparecer destacada na lista dos underperformers, com menos 250 mil barris por dia face à quota atribuída, onde surge acompanhada pela Nigéria, que ficou 285 mil aquém. E mesmo a Arábia Saudita ficou 135 mil barris por dia de distância dos objectivo.

E este contexto global é ainda menos simpático se se tiver em conta que a OPEP estima para 2022 uma forte recuperação da economia mundial, ao que corresponde uma maior procura. O problema é que anos a fio de desinvestimento levou a que os maiores produtores, desde logo no seio da OPEP+, tenham perdido uma boa parte da sua capacidade de aumentos estratégicos da produção, sendo que serão necessários anos para voltar a repor essa capacidade, que pode não se justificar tendo em conta que o mundo caminha claramente, por uma questão de sobrevivência, para uma fase decisiva de mudança das energias fósseis como combustível do mundo para as energias verdes.