Uma das mais severas sanções que vão afectar a Rússia, como resposta ao reconhecimento da República Popular de Lugansk e República Popular de Donetsk e ao envio de forças militares de "manutenção da paz" para o Donbass, de forma a evitar a prossecução dos confrontos entre os independentistas e o Exército ucraniano, partiu da Alemanha, que colocou em stand by a abertura formal do gasoduto Nord Stream 2, um investimento multimilionário que levará (?) gás natural dos confins da Rússia ao coração da União Europeia.

Mas também algumas das figuras do regime russo, próximas de Putin, estão na lista dos sancionados, especialmente alguns considerados oligarcas detentores de fortunas colossais no exterior do país, que verão, agora, os seus bens congelados, ou ainda os bancos russos com maior actividade com o exterior, o que, na prática, acrescentadas outras medidas, vai impedir a Rússia de financiar a sua dívida de mais de 450 mil milhões USD nos países ocidentais.

Sob a acusação de que Moscovo deu este passo como antecâmara de uma invasão em larga escala da Ucrânia, o Presidente dos EUA, Joe Biden, avisou o seu homólogo russo, Vladimir Putin, de que esta é a fase inicial da resposta, via sanções à Rússia, deixando claro, numa intervenção televisionada e anunciada pela Casa Branca como sendo dirigida "ao mundo", que outras serão aplicadas se as forças russas alargarem o seu avanço em território do país vizinho.

Mas, sublinhando igualmente que Washington mantém uma via aberta para que a diplomacia se imponha face à possibilidade de um confronto militar de largo espectro no leste europeu, Biden frisou repetidamente que não está em cima da mesa a possibilidade do início de um confronto bélico entre os Estados Unidos e a Federação Russa.

"Já iniciamos as sanções às duas das mais importantes instituições financeiras russas, o VEB, que é um banco de investimento essencial à economia russa, e ao Banco Militar. Também cortamos a Moscovo a possibilidade de se financiar no ocidente ou comercializar a sua dívida na Europa e nos EUA. E as elites russas também vão ser visadas em breve ", explicou Biden na noite de terça-feira, onde o que anunciou ficou bastante longe da dureza prometida anteriormente.

Sanções. E então?

Porém, como os analistas se apressaram a lembrar, nada disto deverá apanhar de surpresa o Governo de Vladimir Putin, que está há anos sujeito a diversas sanções dos países ocidentais e para as quais teve mais que tempo para se preparar, nomeadamente na acumulação de enormes reservas em moeda estrangeira, desde logo os caudais extraordinários euros provenientes das vendas do seu gás natural à Europa, cerca de 40% deste, e do crude, onde se destaca como o segundo maior exportador mundial, apenas atrás da Arábia Saudita, acima de 10 milhões de barris por dia.

Isto, visto que a Rússia é um dos grandes produtores/exportadores de petróleo que mais tem beneficiado dos preços do crude em alta nos mercados internacionais, especialmente desde que juntou o seu músculo extractivo à OPEP, na denominada OPEP+, que coloca 10 países desalinhados em consonância com os 13 membros do cartel mais antigo, numa estratégia de protecção dos seus interesses que foi e é fundamental para manter o barril acima dos 90 USD no mercado de Londres, que transacciona o Brent, a referência para as exportações angolanas.

Alias, esta crise no leste europeu está a ter um forte impacto no negócio global do crude, com fortes ganhos proporcionados aos países mais dependentes das exportações energéticas, como é o caso de Angola, mantendo o barril nesta semana última muito próximo dos 100 USD, visto que não só existe o risco de a Rússia deixar de vender gás natural à Europa como retaliação para com este pacote de sanções, como deixar de fornecer petróleo a alguns mercados, o que vai fazer disparar os preços, sem provocar danos a Moscovo, visto que nos últimos anos manteve intensas negociações com a China para encontrar um mercado importante alternativo ao europeu.

Com este clamor guerreiro no leste da Europa, o crude tem-se valorizado de forma robusta, com ganhos claros para os membros da OPEP+, e com uma quase certeza de que estes vão disparar ainda mais, como o próprio Presidente Biden deixou claro no seu discurso, onde avisou que também quem aplica as sanções à Rússia vai ter um preço a pagar por esta "defesa da liberdade".

Biden acrescentou que essa defesa da liberdade vai ainda exigir que os aliados ocidentais mantenham o apoio financeiro à Ucrânia, como o Presidente Zelenskyy tem pedido incessantemente, bem como a pressão sobre Moscovo com a colocação de mais militares da NATO nos países do leste europeu que integram a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN-NATO).

Isto, porque uma das exigências de Vladimir Putin é, como o pr+oprio já afirmou, impedir que a Ucrânia venha a integrar a NATO, tendo mesmo dito a Volodymyr Zelenskyy que esta crise acaba no momento em que Kiev der garantias claras de que abdica de integrar a NATO.

Isto, porque desde o inicio da crise que Moscovo aponta como objectivo último de todas as suas movimentações a questão do "cerco" da NATO que se aperta cada vez mais à Rússia noleste da Europa, contrariando as garantias dadas pela organização em 1991, aquando do colapso da União Soviética de que os países do antigo Pacto de Varsóvia não teriam entrada nesta organização de defesa criada no pós II Guerra Mundial, em 1947, precisamente para fazer frente ao inimigo vermelho que era a URSS.

E é neste contexto, onde Biden acusa de forma directa que a Rússia é o mau da fita deste enredo perigoso, que o Governo da Ucrânia ordenou a mobiliação dos seus militares na reserva como mecanismo de garantir a defesa do país face à iminência de uma invasão, como assim o entende Joe Biden, por parte da Rússia a toda a Ucrânia, embora este mantenha a palavra de que isso não está nos seus planos.

Neste momento, a grande dúvida é se a Rússia, e as tropas enviadas para o terreno, vai contentar-se com a área das regiões de Donetsk e Lugansk ocupadas pelas milícias separatistas, agora repúblicas reconhecidas por Moscovo, ou vai querer meter dentro do seu "reconhecimento" também as áreas desta "repúblicas" que permanecem sob controlo do Exército leal a Kiev.

E se isso suceder, crescerá proporcionalmente o risco de uma guerra aberta e sem quartel entre a Rússia, país de quase 150 milhões de habitantes e uma das maiores potências militares do mundo, mesmo sem contar o arsenal nuclear, e a Ucrânia, com 42 milhões de habitantes e com umas Forças Armadas com um forte upgrade nos últimos anos através do apoio em material e formadores dos EUA e da Europa.

Esse reforço da capacidade militar da Ucrânia com apoio ocidental cresceu de forma substantiva a partir de 2014, quando a Rússia anexou pela forma a Península da Crimeia, alegando que este território pertencia à Rússia até ao erro histórico do então Presidente soviético, em 1954, Nikita Khrushev, ucraniano de nascimento, a ter anexado a esta, à época, República Soviética.

Nesse ano, recorde-se, em 2014, aconteceu igualmente a auto-proclamação da republicas independentistas de Donetsk e Lugansk, momento a partir do qual teve início um conflito de baixa intensidade entre as milícias separatistas e o Exército de Kiev, que já fez mais de 14 mil mortos até hoje.

No entanto, esta narrativa tensa pode ser aliviada já a partir de quinta-feira, se se confirmar um encontro que está agendado há mais de uma semana, antes o reconhecimento das duas repúblicas do Donbass por Moscovo, entre o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov, e o seu homólogo norte-americano, o Secretário de Estado Antony Blinken.

E no limite das melhores perspectivas, quase ao mesmo tempo chegou a ser anunciado pela diplomacia francesa, um encontro entre Biden e Putin para a próxima semana. Mas este dificilmente terá hipóteses de acontecer, mas... facto é que tanto um como outro têm dito, repetidamente, estarem abertos ao diálogo para resolver os diferendos.

Pode seguir o fio dos últimos acontecimentos nos links colocados em baixo neste página, nomeadamente as implicações económicas deste conflito.