O secretário de Estado norte-americano, Anthony Blinken, aterrou esta manhã de quinta-feira, 12, em Tel Aviv, para dizer ao primeiro-ministro Benjamin Netanyhau que os EUA estão "inequivocamente" a apoiar esta ofensiva com a qual Israel quer redesenhar o Médio Oriente que no futuro deixará de ter qualquer estrutura do Hamas e do seu braço armado, as Brigadas Al Qasam, activas.
Mesmo que o preço, como é garantido que será por todos os analistas, seja somar mais milhares de mortos entre militares e civis aos mais de 2.000, de um e do outro lado em números idênticos, desde que os combatentes, ou terroristas, como são vistos no ocidente e em Israel, do Hamas lançaram, no Sábado, 07, a mais audaz e letal operação militar dentro de Israel, apanhando de surpreso tudo e todos, incluindo as máquinas da afinada intelligentsia israelita, a Mossad e o o Shin Bet.
Para limpar a Faixa de Gaza e o Médio Oriente do peso do Hamas, Israel tem de ir além das vagas ininterruptas de ataques aéreos no interior da Faixa de Gaza, onde já destruiu mais de mil edifícios, alegadamente onde se albergavam elementos ou escritórios do Hamas, fazendo igualmente descer dos céus em forma de fogo a morte sobre mais de mil civis, incluindo perto de 250 crianças de tenra idade.
Esta vaga de ataques aéreos a Gaza é uma primeira resposta e vingança israelita sobre o bárbaro rasto de morte que as Brigadas Al Qasam deixaram no Sábado e no Domingo no sul de Israel, em ataques devastadores em colonatos, vilas e cidades, matando indiscriminadamente centenas de civis.
Essa acção terrestre no sul de Israel contou com um momento sem precedentes no terror perpetrado pelos homens do Hamas que foi a chacina de 260 jovens que estavam num festival de música moderna no Deserto do Neguev, de onde foram igualmente levados dezenas de reféns para Gaza com o objectivo de garantir alguma contenção das IDF aquando da invasão terrestre do território que se espera para os próximos dias.
Mas o Hamas já veio negar de forma categórica que tenha matado dezenas de crianças, decapitando-as, num dos colonatos próximos de Gaza, o kibutz de Kfar Aza, como denunciou o Presidente dos EUA, Joe Biden, que, na declaração que fez ao mundo sobre esta guerra em Gaza, afirmou ter visto essas imagens, e como o Tsahal (Exército de Israel) fez questão de lá levar cerca de 50 jornalistas de media internacionais presentes no território sem que tais imagens sejam confirmadas por qualquer um deles.
"Nunca pensei que poderia ver imagens brutais como estas de terroristas do Hamas a decapitarem bebes", disse Joe Biden, obrigando, depois, a Casa Branca a vir a público rearranjar a frase de forma a torná-la menos agressiva para com a verdade e os factos.
Se o Hamas nega estes crimes, em particular a decapitação de bebes e mulheres gravidas, quem informou BIden sobre a sua existência? Terá o primeiro-ministro Netanyhau mentido ao Presidente dos EUA nas conversas telefónicas que mantiveram? Estas são algumas das perguntas que começam a ganhar dimensão, até porque não foram apresentadas provas.
A malha urbana sangrenta de Gaza
Enquanto a invasão terrestre de Gaza não avança, o Tsahal mantém várias das suas unidades de elite a percorrer todos os aldeamentos do sul de Israel em busca de vítimas ou focos de guerrilha das Brigadas Al Qasam, limpando a região para depois avançarem sobre a fronteira do território para uma das operações miliares mais melindrosas da história do Médio Oriente.
O cenário desta operação das IDF vai ser seguramente composto por milhares de soldados e carros de combate a atravessarem a mais densamente urbanizada geografia em todo o mundo, com mais de 6.000 habitantes por km2, numa área com 365 kms sob a forma de uma faixa de terra com 42 kms de extensão por 8 a 10 em média de largura, entalada entre o Mar Mediterrâneo, Israel e o Egipto, com milhares de homens armados do Hamas emboscados no intrincado conjunto de ruas, ruelas e becos de Gaza e à espera dos israelitas.
Para atenuar as dificuldades deste cenário, como é possível verificar nestes últimos dias, os bombardeamentos aéreos de Israel não procuram apenas alvos do Hamas, estão objectivamente a abrir corredores largos na Faixa de Gaza reduzindo milhares de edifícios a pó, através dos quais deverão chegar ao mar as colunas de blindados das IDF, dividindo o território em parcelas estanques para melhor fazer a limpeza casa a casa.
Podendo ser facilmente admitido que Israel vai conseguir obter um relativo sucesso com esta operação, porque uma boa parte da estrutura logística e política de retaguarda do Hamas já terá deixado Gaza pela fronteira com o Egipto, ou pelo mar, a que custo é que é a questão política em Tel Aviv.
Entretanto, a barragem de roquetes disparados pelo Hamas sobre o sul de Israel mantém-se sem cessar, com muitos deles a conseguirem atravessar a densa defesa antiaérea israelita, a "cúpula de ferro", atingindo especialmente a cidade de Ashqelom, a pouco mais de 35 kms de Gaza, com cerca de 140 mil habitantes, mas também Tel Aviv, especialmente nos arredores do aeroporto da cidade, o maior do país.
As suspeitas e o estranho alheamento da poderosa Mossad
Um problema que Benjamin Netanyhau resolveu através da constituição de um Governo de unidade nacional que junta os extremistas de direita do Likud, que governa actualmente o país com um conjunto de pequenos partidos religiosos ainda mais radicais, e a esquerda social-democrata liderada por Benny Gantz, que apenas tomará decisões relativas à gestão da guerra, criando, para um efeito um gabinete de guerra que terá gestão tanto de Netanyhau como de Gantz e ainda do actual ministro da Defesa Yoav Gallant, que chamou aos palestinianos "animais em forma humana".
Com esta solução, o primeiro-ministro israelita conseguiu, como já alertaram vários analistas, inclusive internamente, livrar-se de alguns problemas políticos internos para os quais já não tinha resposta, que eram, desde logo, os gigantescos protestos nas ruas do país contra a sua reforma judicial, da qual dependia a sua coligação de governo extremista.
Mas também os processos em tribunal onde aparecia como arguido por suspeita agravada de corrupção, e para os quais também estava à beira de deixar de ter condições para governar, além de que Benjamim Netanyhau é ainda suspeito de querer com esta guerra arrastar os EUA para um conflito com o Irão como forma de destruir as infra-estruturas nucleares que teme estarem quase a garantir a Teerão a construção de uma bomba nuclear.
As suspeitas sobre as intenções do líder israelita resultam da forma como toda a estrutura de segurança israelita, tida como a mais sólida do mundo, com a poderosa Mossad (operações especiais e intelligentsia) e o eficaz Shin Bet (segurança interna), não souberam das intenções do Hamas.
À medida que os dias passam, a ausência de explicações sobre esta falha clamorosa de segurança está a alimentar teses conspirativas e começam a ser mais e mais ruidosas as dúvidas... e os analistas admitem que esse ruido crescente sobre a cabeça de Netanyhau pode acelerar a operação terrestre sobre Gaza de forma a silenciá-lo.
Crime internacional
Enquanto o gabinete de guerra em Tel Aviv não decide o dia e a hora em que as forças israelitas avançam sobre Gaza, este território está à beira da catástrofe humanitária após 72 horas de bloqueio total de Israel à entrada de alimentos, combustíveis e electricidade, bem como medicamentos e outros bens de necessidade premente.
O bloqueio, garante o Governo israelita, só será levantado quando forem libertados os reféns que o Hamas tem em seu poder e que tenciona usar como escudo de protecção quando começar a invasão terrestre das IDF a Gaza.
As organizações humanitárias no terreno, incluindo as Nações Unidas, já fizeram veementes apelos a que Israel folgue, criando um corredor humanitário, como pediu o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, o bloqueio para deixar entrar alimentos, que já começam a faltar, bem como combustíveis, porque até o maior hospital de Gaza, Al-Shifa, está a escassas horas - o final da tarde desta quinta-feira é o limite - de ficar sem gasóleo nos seus geradores, colocando em risco iminente centenas de vidas.
A par do bloqueio que é assegurado por Israel nas suas duas fronteiras com Gaza mas também em Rafah, com o Egipto, porque Cairo e Tel Aviv têm um acordo desde 1973, que definiu o fim da guerra entre os dois países, quando o Egipto fazia parte de uma coligação árabe anti-israel, na histórica guerra do Yom Kippur, no qual está previsto que entre o Egipto e Gaza apenas passam pessoas, sendo que todo o tipo de bens têm obrigatoriamente que passar por Israel, tendo o Governo do Presidente egípcio, Al-Sisi, mostrado uma clara indisponibilidade para ignorar esse acordo.
Alias, com a chegada de Al-Sisi ao poder no Cairo, as famosas passagens subterrâneas entre Gaza e o Egipto foram totalmente destruídas e as rotas de contrabando que permitiam aos habitantes de Gaza terem acesso a alguns produtos extra foram fechadas à força.
A cartada diplomática e o risco de expansão do conflito...
... parecem ser agora a única solução para evitar não só a tragédia que se perspectiva com a entrada das IDF em Gaza, como a possibilidade de um alastramento do conflito no Médio Oriente, porque a barragem de acusações israelitas ao Irão é cada vez mais intensa, alegadamente porque só com o apoio de Teerão o Hamas poderia protagonizar tão audaz acção militar.
Com a chegada do secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, a Israel, as opiniões dividem-se, porque, se por um lado, em Washington poderá estar em cima da mesa a necessidade de travar o aumento das tensões no Médio Oriente devido à necessidade de manter o esforço da guerra na Ucrânia contra a Rússia...
... por outro, são crescentes as vozes que sublinham que é do interesse da Administração Biden não travar o conflito entre Israel e o Hamas, porque é cada vez mais evidente que a Ucrânia não vai conseguir prevalecer sobre Moscovo e ao colar os EUA a Israel neste combate ao terrorismo palestino, consegue uma "vitória" para apresentar na campanha eleitoral que se aproxima velozmente para as eleições de 2024.
E este conflito, como já está a suceder de forma pesada, vai acabar por tirar a guerra na Ucrânia dos holofotes mediáticos, permitindo que a pressão europeia para levar as partes para a mesa das negociações tenha sucesso, até porque nem EUA nem União Europeia, todos inequivocamente ao lado de Israel, sabem muito bem como vão conseguir lidar com as suas opiniões públicas perante as crises económicas persistentes e cujo "húmus" de onde brotaram foi e é o conflito no leste europeu.
A par desta evolução periclitante, as outras grandes potências, China e Rússia, mas também o Brasil e a Índia, já vieram pedir contenção e um cessar-fogo humanitário, tendo tanto Pequim como Moscovo, ou ainda a Turquia, oferecido os seus esforços para mediar eventuais negociações...
...que podem nem sequer fazer sentido se, como já está, embora ainda de forma limitada, for aberta outra frente de guerra, na fronteira entre o norte de Israel e o sul do Líbano, onde o Hezbollah tem trocado tiros de artilharia com as IDF.