Nesta entrevista ao jornalista Luke Harding, o general Oleksandr Syrskyi é claro nos objectivos da Ucrânia que são conduzir a guerra até à derrota inequívoca da Federação Russa, que, em 24 de Fevereiro de 2022, invadiu o leste ucraniano, mas também deixa vários apontamentos que mostram que essa saída vitoriosa não é assim tão evidente...
Para vergar as forças ocupantes, o chefe militar em quem o Presidente Volodymyr Zelensky confiou a árdua tarefa de fazer o que o "herói" Zaluzhnyi não conseguiu em dois anos de confrontos, na mais violenta guerra em território europeu após a II Guerra Mundial, espera pela mais recente arma-maravilha fornecida pelos aliados europeus ocidentais: os velhinhos F-16 norte-americanos.
Diz ao Guardian já saber quando vão chegar os aviões de guerra que, deverão devolver à Ucrânia o domínio dos céus sobre os campos de batalha, mas que, por razões de segurança, "infelizmente", não pode adiantar datas, que podem ser esta semana ou daqui a um mês...
Diz Luke Harding que o general Oleksandr Syrskyi está, durante a conversa, que decorreu numa base militar secreta, sentado em cima de uma caixa de munições, sem especificar se são simples balas, granadas ou bombas, mas como metáfora serve perfeitamente para explicar que a responsabilidade que carrega nos ombros é altamente... explosiva.
Isto, porque a convicção sobre uma vitória enfrenta óbvios obstáculos de percepção, seja porque, no terreno, os avanços persistentes e relativamente volumosos dos russos, embora apenas comparando com o que sucedia ainda há alguns meses, chocam com o que diz, e a chegada de algumas dezenas de F-16 está a ser trabalhada como foram as outras armas-maravilha enviadas pelos países da NATO ao longo destes mais de dois anos e meio de guerra.
Desde os misseis antiaéreos Stinger, primeiro, depois os anticarro, Javelin, seguiram-se as peças de artilharia mais avançadas, os canhões 777 Made in USA, os Caeser cedidos por Paris...
De seguida os analistas ocidentais trocaram então estas falhadas "maravilhas" pela chegada dos maravilhosos blindados Bradley como ferramentas que iriam virar a guerra do avesso...
Depois os carros de combate pesados, primeiro os alemães Leopard, ao que sucederam os britânicos Chalenger... mas o que seria mesmo a viragem esperada era a chegada dos norte-americanos M1 Abrams... e os russos sempre a ganhar terreno, escassamente, quase sempre, mas a avançar...
Foi então a vez dos fantásticos sistemas de defesa antiaérea... os alemães IRIS-T, os italianos SAMP/T NG, e, entre outras, aqueles que iriam, sem dúvidas, mudar o curso da guerra porque iriam inutilizar todos os sistemas de ataque pelos céus dos russos, os americanos Patriot...
Foi então a vez dos misseis que iriam, em definitivo, vergar Moscovo à superioridade tecnológica ocidental, como os Storm Shadow britânicos ou os franceses Scalp G, sem grande consequência, chegando a seguir, já este ano, os norte-americanos misseis balísticos ATACMS... com os mesmos resultados de todas as outras armas-maravilha...
A nova arma-maravilha
Mas agora, com a chegada para breve dos caças F-16, renova-se a esperança ucraniana numa reviravolta no curso desta guerra, que pode muito bem ser a derradeira esperança, se, como a maior parte dos analistas admitem, e as sondagens dão essa indicação clara, o ex-Presidente Donald Trump, que já avisou que quer esta guerra terminada, voltar à Casa Branca nas eleições de 05 de Novembro próximo.
Para o general Syrskyi, não há dúvida de que isso assim será, até porque vem dar a cara e o corpo "às balas", expondo-se numa entrevista a um jornal de grande tiragem, com afirmações categóricas sobre uma vitória neste conflito...
E com claras dificuldades em mobilizar os ucranianos em idade militar, com cada vez mais a fugirem para o estrangeiro, ou a esconderem-se das patrulhas de mobilização forçada, com reduzida capacidade de defesa antiaérea, falta de armas em quase todos os segmentos devido a uma redução no fluxo a partir dos arsenais dos aliados da NATO, o derradeiro trunfo podem muito bem ser os... velhinhos F-16.
Serão estes capazes de resolver o problema e dar um novo ímpeto aos ucranianos? O analista militar português, general Agostinho Costa, tem repetido a ideia contrária nas suas análises na CNN Portugal e na RTP3.
Isso, porque, tem vindo a explicar o general Agostinho Costa, os F-16 são aviões antigos, do tempo da "guerra fria", apesar de sujeitos a modernizações relevantes, continuam a não dispor de capacidades indispensáveis, como radares de última geração, camuflagem ou a reduzida autonomia de voo para operar nesta guerra específica, com bases de retaguarda muito distantes da linha da frente.
Como se isso não bastasse para reduzir o brilho desta nova arma-maravilha para Kiev, os F-16 estarão sempre a voar sob o fio da navalha, seja porque os modernos SU-35, russos, sem falar dos mais modernos SU-57, aviões de 5ª geração, com radares sofisticados, os podem abater com relativa facilidade.
E estão igualmente expostos e vulneráveis aos modernos sistemas de defesa aérea S-400 ou os ainda mais recentes S-500, vistos entre especialistas como os mais eficazes em todo o mundo.
O general consciente
Todavia, o general Syrskyi está consciente da vantagem russa e di-lo sem titubear nesta entrevista a The Guardian, reconhecendo que os russos "estão muito melhor equipados", tendo em material militar "muito mais de tudo".
"No que toca a equipamento, há um rácio de 1:2 ou 1:3 a favor dos russos", disse, confirmando que o número de carros de combate pesados duplicaram nos arsenais de Moscovo, para mais de 3.500 actualmente, triplicou o número de peças de artilharia e também o número de veículos de transporte de infantaria subiu quase para o dobro, de 4.500 para 8.900...
E admite que é esta superioridade russa que tem permitido os recentes ganhos do Kremlin no campo de batalha, estando as forças ucranianas a recuar lentamente deste o Outono passado, acrescentando o jornal que essas perdas são resultado da quebra de fornecimento de armas pelos EUA.
Nesta rara e importante entrevista a The Guardian, o chefe militar ucraniano admite que as coisas estão "muito complicadas", e descreve: "Os russos atacam as nossas posições por todos os lados".
Kiev pode vencer?
Mas podem os avanços russos ser travados?, perguntou-lhe o jornalista britânico. "Claro que podem, mas, em primeiro que tudo, isso depende dos bravos oficiais e soldados ucranianos", que disse serem "heróis".
E deu como exemplo dessa heroicidade o facto de as investidas russas pelo nordeste ucraniano, na região de Kharkiv e Sumy, terem sido travadas, estando as forças ucranianas em desvantagem numérica, embora os combates continuem.
O jornalista optou por não desenvolver este tema, repetindo que o general Syrskyi defende que os sucessos russos são meras "vitórias tácticas", mas ignorando o que alguns analistas militares já deram como certo.
Que a abertura destas frentes em Kahrkiv e Sumy são apenas manobras de distracção russas que exigem um esforço redobrado aos ucranianos, obrigando-os a distenderem as suas já depauperadas brigadas por uma ainda mais longa linha da frente, que tinha já mais de 1.200 kms e passou a contar com mais cerca de 300 kms...
E isso abriu brechas nas linhas defensivas tanto na área de Donetsk, como mais a sul, em Kherson e Zaporizhia, onde as unidades ucranianas estão em retirada, nalguns casos em debandada inorgânica, e os russos a tomarem áreas de relevância estratégica, como, por exemplo, ao longo do Rio Dniepre.
Mas nem por isso Oleksandr Syrskyi deixa de reforçar a ideia global de que estes recuos são apenas momentâneos, porque se trata de "ganhos tácticos dos russos e não operacionais", o que se traduz, no essencial, por avanços em áreas de pouco interesse geográfico sem que Moscovo possa mostrar no seu mapa de conquistas uma grande cidade ou avanço relevante em profundidade na direcção de um objectivo com essa dimensão e importância.
Defende, sem que existam dados factuais que possam demonstrá-lo, nem de um lado nem do outro, como é normal em tempo de guerra, sendo isso informação que só depois do fim dos conflitos emergem com dados verosímeis, que as perdas em vidas humanas do lado russo "são três vezes maiores do lado russo".
Questionado sobre as baixas ucranianas, e se poderia confirmar a informação avançada pelo Presidente Zelensky em Fevereiro deste ano, de que tinham morrido apenas 31 mil solados ucranianos, Oleksandr Syrskyi optou por não mexer nesse ninho de vespas, admitindo ser "um tópico muito sensível que Moscovo poderia explorar".
Confrontado pelo jornalista com o cepticismo que existe e cresce sobre a perspectiva de uma vitória ucraniana, este sublinha que há evoluções positivas, como a evidência de que os F-16 vão fortalecer as defesas aéreas da Ucrânia, permitindo lidar com mais eficácia com os misseis de cruzeiro russos bem como atacar alvos no solo do lado do inimigo.
Todavia, admite que há limitações para o seu uso, como a obrigação de actuarem a uma distância de 40 kms da linha da frente sob risco de serem abatidos pelos sistemas russos, o que é relativamente estranho como afirmação peremptória, visto que os S-400 atingem alvos até 400 kms de distância e os misseis usados pelos SU-35 ou SU-57 podem alvejar alvos até 300 kms de distância.
Sublinhando, com elogios que não são comuns nas fileiras de todo do lado ucraniano, Syrskyi dá como facto que a Rússia possui "superioridade na sua aviação" e uma defesa aérea "muito forte", sendo essa a razão pela qual tem optado por atacar alvos inimigos com recurso a drones, porque estes podem com mais facilidade atravessar as defesas do inimigo.
Ler esta entrevista nas entrelinhas...
Com esta entrevista, o general Oleksandr Syrskyi expõe-se como nunca o tinha feito, procura elevar a moral das suas tropas e da população ucraniana, num momento em que crescem os protestos populares contra a guerra mas que são apresentados como manifestações contra os cortes de energia ou pelo regresso dos militares há mais tempo na linha da frente como determina a legislação ucraniana de mobilização e desmobilização...
Mostra ao mesmo tempo que existe uma superioridade russa que não pode ser ignorada, confrontando assim os analistas pró-ocidentais que, embora agora menos, descrevem as forças russas como ineptas e incapazes, destaca a capacidade das suas tropas para fazer mais com menos, recorrendo à opção pela qualidade em detrimento da quantidade como fórmula para lidar com a redução do apoio ocidental...
E termina a entrevista mostrando-se confiante na recuperação dos territórios ocupados, incluindo a Crimeia, onde destaca uma sucessão de vitórias, seja pelos ataques à Armada russa do Mar Negro, seja pela retirada dos seus navios do Porto de Sebastopol...
Esta entrevista ficará ainda retida na memória que vier a ser criada em torno deste conflito, para o qual crescem os esforços para com ele acabar na mesa das negociações, como pode ser revisitado nos links abaixo nesta página, como uma forma do general Oleksandr Syrskyi, que tem sido fortemente criticado por vários membros do regime de Kiev, mostrar que tamém nas guerras não se fazem milagres e que vencer um inimigo claramente superior em quase todas as dimensões é exigir demais...
E pode mesmo ser uma plataforma para "convidar" o poder político ucraniano a repensar a sua abordagem a este conflito e procurar outras vias que não a militar para acabar com a guerra...