No último minuto, a UNITA, como que a querer estragar a festa, avançou com um recurso extraordinário no Tribunal Constitucional (TC) para exigir a justiça eleitoral que diz que a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) lhe negou e o acórdão de 08 de Setembro confirmou. Mas o Presidente-eleito e da República tem amigos que nunca lhe falham: o "Ti Célito" chegou já na manhã, cedo, desta quarta-feira para alegrar o povo.

Uma certeza que João Lourenço tem é que o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, ou "Ti Célito", se chegou com tanta antecedência, o mais certo é ir dar um mergulho à ilha e passear pelas ruas de Luanda e espalhar imagens bem-dispostas pelas redes sociais aliviando parte da tensão própria do momento.

E Marcelo tamém não deverá, desta vez, ao contrário do que sucedeu há cinco anos, ser ignorado por João Lourenço no seu discurso, até porque o "irritante" que existia então,e que se prolongou durante anos. passou a uma sólida amizade entre os dois homens.

No conjunto dessas tensões pontificam as permanentes ameaças de manifestações contra o resultado das eleições de 24 de Agosto, o derradeiro recurso do partido de Adalberto Costa Júnior para que o plenário do TC volte a analisar a sua própria decisão, que, mesmo sabendo-se antecipadamente que o mesmo órgão dificilmente alterará a "sentença" que proferiu, gera sempre ruído de fundo que perturba o momento que Presidente da República-eleito quer que seja de festa.

Alias, na justificação da tolerância de ponto concedida para a tomada de posse do Presidente eleito nesta quinta-feira, 15, o Presidente da República cessante diz mesmo que os angolanos querem festejar e dar largas à sua alegria neste momento.

E até os partidos da oposição parecem estar alinhados na necessidade de não criar problemas que não sejam aqueles permitidos por lei, porque a Polícia Nacional fez saber que os partidos políticos, todos eles, sem excepção, se demarcaram, numa reunião que teve lugar na terça-feira, de todo o tipo de iniciativas não enquadradas pela lei, como manifestações não autorizadas, vandalismo, e arruaças diversas.

Isso mesmo foi dito pelo porta-voz do Comando Provincial de Luanda da PN, Nestor Goubel, após o encontro que reuniu as chefias da corporação e os partidos políticos, o que pode ser uma resposta arrancada pelas autoridades policiais à reunião que teve lugar na passada semana entre a UNITA, o PRS, a CASA-CE e a FNLA, onde as lideranças da oposição analisaram as melhores formas de protestos conra a "injustiça eleitoral" a que todos dizem ter sido sujeitos mas à qual nem a CNE nem o TC deram... provimento.

Com a oposição a abdicar claramente de quaisquer movimentações de rua, com o prazo para o acolhimento formal dos 220 deputados eleitos a 24 de Agosto a terminar, ao final do dia de hoje, findo o qual quem não o fez, ou tem uma justificação plausível ou deixa de poder tomar posse, como está previsto, na sexta-feira, um dia depois da tomada de posse do Presidente da República.

Vai ou não o recurso extraordinário da UNITA abrir espaço, e justificar, que os seus 90 deputados retardem a formalização de entrada na Assembleia da República? Ver-se-á ainda hoje.

Do ponto de vista formal, este recurso extraordinário do partido do "Galo Negro", que já tinha sido admitido como possibilidade pela UNITA, é o derradeiro esforço legal da maior força da oposição para travar o rápido caminhar para o fim deste "filme" eleitoral em Angola em 2022.

O recurso extraordinário de inconstitucionalidade da UNITA para o TC aparece contra a decisão do TC, na sua condição de Tribunal Eleitoral, de rejeição do recurso anterior com efeitos suspensivos.

Neste esforço legal final, Adalberto Costa Júnior pede ao TC para declarar a inconstitucionalidade do acórdão 679/2022 do TC, porque não foram analisadas todas as provas e ocorreram ofensas sérias ao que está disposto na Constituição da República de Angola.

É muito difícil admitir que os mesmos juízes do TC que assinaram o acórdão de 08 de Setembro, onde uma das juízas votou vencida e elaborou uma declaração de voto altamente crítica da decisão colectiva (o que pode ser revisitado nos links colocados em baixo nesta página), venham agora a alterar a sua própria decisão, mas o líder da UNITA, sabendo garantidamente disso, conseguiu, seguramente, passar como mensagem que está a esgotar, até ao limite, todas as possibilidades legais de fazer valer a sua posição.

Posição essa que passa por sublinhar que os resultados eleitorais definitivos divulgados a 26 de Agosto pela CNE não correspondem à verdade eleitoral, que as actas síntese usadas pela UNITA para contar os votos permitiram concluir de forma diferente sobre o que foi o julgamento dos eleitores a 24 de Agosto e, por fim, exige que seja feita uma audição com presença internacional às actas síntese em posse da CNE para apreciar da sua autenticidade.

No documento que a UNITA fez chegar ao Novo Jornal pode ler-se, entre outras abordagens de protesto legal, que o TC ignorou as "nulidades dos actos praticados durante o processo do apuramento e escrutínio dos resultados eleitorais definitivos".

Mas a UNITA transporta para este recurso extraordinário uma novidade, que é a recusa de poder assacar-se responsabilidade dos concorrentes por estarem na posse de actas ininteligíveis em resultado da atribuição de cópias aos delegados de lista feitas com uso de papel químico, o que dificulta a sua clareza de leitura, acusando o TC de parcialidade sobre uma decisão ilegal da CNE.

E depois da tempestade, o que vai dizer Lourenço?

Quando subir ao púlpito da Praça da República para se dirigir à Nação, João Lourenço não será o mesmo homem que há cinco anos ali esteve perante o histórico desafio de substituir no poder JOsé Eduardo dos Santos, um gigante da política africana com 38 anos de poder em Angola.

Tem a experiência de uma legislatura, os calos da governação num período de severa crise económica, as fracturas expostas pela Covid-19, carrega as "cicatrizes" ganhas na luta política, no seu longo combate contra a corrupção, que a oposição e uma facção do seu partido lhe atirou, à queima-roupa, ser dirigida intencionalmente aos familiares do seu antecessor e alguns próximos ou então a figuras de escasso relevo político e de parca influência económica.

João Lourenço tem em mãos uma crise económica que é a mesma que o acolheu há cinco anos, que cresceu devido à pandemia da Covid-19 mas que, agora, na fase final do mandato, encolheu graças à guerra na Ucrânia e aos efeitos colaterais no mercado global do petróleo, com o barril a passar, recorde-se, de valores ínfimos de 30 USD no início de 2020 para os mais de 130 USD a que já chegou este ano, e isso é um bónus gigante para uma economia como a angolana, onde a energia representa 95% das suas exportações, 35% do PIB e perto de 60% das receitas fiscais.

Se no plano económico, a prolongada recessão começa a enfraquecer, com o país a voltar a crescer positivamente, como o têm sublinhado os organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional, embora o Presidente Lourenço tenha ainda combates pela frente com titãs bem conhecidos, como a diversificação económica que tarda a impor-se, manter a produção petrolífera acima da actual, que mantém há aos um permanente declínio e ainda a urgência de aumentar, e muito, a produção alimentar nacional, a ferramenta mais eficaz contra a extrema pobreza em que vive uma larga percentagem dos mais de 30 milhões de angolanos.

Outro foco de João Lourenço vai ser a necessidade de garantir que o seu nome figurará na história angolana como alguém que, efectivamente, mudou o que havia para mudar em 10 anos de governação, agora que a perda da maioria qualificada torna inviável - se alguma vez existiu, como admitem alguns analistas - uma alteração da CRA para possibilitar uma 3ª candidatura à Presidência, porque só assim poderá distanciar-se do seu antecessor e criar um espaço próprio e alargado na galeria dos notáveis da Nação.

Para isso, alguns pontos são essenciais, como sejam a derrota sem apelo nem agravo da corrupção, da pobreza e, sendo este o ponto de maior visibilidade, da mudança estrutural do funcionamento da comunicação social pública, que é aquela que, efectivamente, maior abrangência territorial alcança, e que, como a maioria dos analistas aponta, é parcial, ferindo gravemente as disposições constitucionais a respeito do papel dos media na construção da Democracia e do Estado de Direito.

Vai isso ser parte do discurso de João Lourenço quando amanhã, quinta-feira, 15 de Setembro, subir ao púlpito da Praça da República para receber a faixa de Chefe de Estado? Vai prometer governar com esse azimute? Veremos...