Este é o momento em que as grandes potências começam a assumir posições mais sólidas, depois de baixar a poeira gerada pela emoção e interesses pessoais iniciais, como aconteceu com a atitude pueril e irreflectida da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que fechou completamente a torneira ao apoio humanitário à Palestina - sendo depois obrigada a mudar a decisão pelos Estados membros -, de onde sobressai o pedido generalizado, e a mesma repetição da recusa a fazê-lo, para que Israel permita "pausas humanitárias" de forma a que a ajuda internacional chegue aos mais de 2.3 milhões de habitantes do território "encarcerados" sem terem para onde ir. (ver links em baixo nesta página)

E onde começa a sobressair uma dos raros momentos da História recente onde a União Europeia e os Estados Unidos se mostram perante o mundo com posições diferentes, senão mesmo divergentes, com os EUA a vetarem duas resoluções no Conselho de Segurança da ONU, do Brasil e da Rússia, onde é proposto o apoio a pausas humanitárias em Gaza, bem como se recusam a juntar-se ao resto do mundo que clama por um cessar-fogo, enquanto os europeus, pela voz do seu responsável pela diplomacia e segurança, Josep Borrell, não só defendem o cessar-fogo, como exigem a Israel que trave os ataques nos quais são atingidos civis.

Mas há um ponto em que todos parecem coincidir, que é a necessidade de garantir que este conflito, que opõe um dos mais poderosos Exércitos do mundo, o de Israel, e o Hamas, um grupo radical islâmico de combatentes pela independência da Palestina - terroristas, como são vistos no ocidente -, não alastre para o resto do Médio Oriente, região geoestratégica para todo o mundo devido aos interesses que ali se jogam, desde logo porque é desta geografia complexa que sai mais de 40% do petróleo consumido no mundo.

Se vai alastrar, os dados sobre essa questão já estão lançados, porque, na realidade, já alastrou, com os ataques mútuos entre as posições do Hezbollah, movimento que ocupa o sul do Líbano, apoiado pelo Irão, e Israel, que mantém um forte contingente no norte do país precisamente para conter os seus avanços, onde se sucedem as trocas de tiros de artilharia e morteiros, e ainda porque Israel atacou com força os aeroportos sírios de Damasco e Allepo, mas para onde vai esta conflito ser levado pelo vento dos interesses mais vastos?

Se for pelos interesses, para países como a Rússia, que mantém a guerra na Ucrânia, onde Washington alimenta a máquina do guerra do "inimigo", e a China, que tem em Taiwan um quebra-cabeças devido à aliança da ilha "rebelde" com os norte-americanos, quanto mais os EUA se envolverem na fornalha do Médio Oriente, melhor, como já se está a ver com os dados fornecidos pelo Pentagono sobre o desvio de dezenas de milhares de munições para Israel que estavam a caminho da Ucrânia...

Mas os dados mostram que os grandes países da região, como a Arábia Saudita, ou os EAU, Qatar, Kuwait, o Egipto ou a Turquia, além de chineses e norte-americanos ou russos, todos estão a mandar sair os seus cidadãos nacionais do Líbano, de Israel, da Síria, da Jordânia e. nalguns casos, mesmo do Egipto, do Iraque e de algumas monarquias do Golfo, o que significa que os seus governos estão na posse de informações, provavelmente recolhidas pela sua intelligentsia, de que o risco de que a guerra chegue a estas geografias é real...

Para já, mesmo que se trate apenas de uma ameaça, sabe-se que o Irão, através do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Hossein Amir-Abdollahian, avisou Israel para uma entrada em força na guerra do Hezbollah se o Governo de Benjamin Netanyhau avançar com a invasão terrestre de Gaza, para a qual já ergueu uma gigantesca máquina de guerra na fronteira de Gaza, com milhares de carros de combate e ais de 300 mil soldados, sendo que esse passo tornaria muito mais fluído todo o xadrez regional, porque, mesmo que as lideranças de países como o Egipto, a Arábia Saudita, Síria ou Iraque, não tenham interesse em tomar uma posição mais musculada, os seus povos estão a sair à rua aos milhões em apoio aos palestinianos...

Desde 07 de Outubro até hoje, segunda-feira, 23, já morreram 1.400 israelitas, perto de meia centena de crianças, e cerca de 5.500 ficaram feridos, quase todos logo nas primeiras horas após a incursão sobre o sul do país do braço-armado do Hamas, as Brigadas Al-Qassam, deixando um rasto de terror e morte. Seguindo-se uma réplica assimétrica com Telavive a enviar os mais modernos aviões de guerra do mundo despejar um sem-fim de bombas sobre a Faixa de Gaza, destruindo milhares de edifícios habitacionais, matando 4.600 pessoas, mais de 2.000 crianças, ferindo 14.250, além de um bloqueio total à água, electricidade, alimentos, combustíveis...

Ajuda já passa em Raffah... mas a conta-gotas

Entretanto, apesar de um finca-pé de Israel contra o mundo a impedir a entrada de centena de camiões com ajuda humanitária do lado egípcio da fronteira com Gaza, e com pedidos de flexibilização a Telavive feitos pelas Nações Unidas, com o seu Secretário-Geral.António Guterres, a ir pessoalmente ao local, da União Europeia, e até mesmo dos Estados Unidos, da Liga Árabe e dos países da região de forma singular, uma pequena porção desta juda já começou a chegar ao território.

Onde eram esperados com desespero gritante depois de quase duas semanas de um bloqueio, que levou à paragem de hospitais por falta de combustível para os geradores, falta de alimentos generalizada, medicamentos esgotados, tanques secos de água potável... que a Comunidade Internacional considera criminoso, e de uma chuva incessante de bombas sobre um território que apresenta a maior densidade populacional por km2 do mundo, com 2.3 milhões de pessoas a dividirem 365kms2, espalhados por uma faixa de trera com 40 kms de extensão e nove de largura, onde se morre diariamente e aos milhares.

Mas as críticas não cessaram, porque Benjamin Netanyhau e o seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, que chamou "animais" aos palestinianos, só autorizaram a entrada de 17 camiões no Sábado, e 20 no Domingo, o que é "uma gota num oceano de necessidades", como disse António Guterres.

Os israelitas alertaram que esta ajuda só pode chegar à população a sul do Rio Wadi, depois da ordem de deslocação em direcção a sul de 1,1 milhões de pessoas da cidade de Gaza, situada no norte da Faixa, o que faz de Gaza o local do mundo actualmente com mais pessoas fugirem de um local de conflito para se salvarem, embora nem todas estejam a obedecer à ordem, ou porque seguem as contra-ordens do Hamas ou porque não possuem meios para se deslocarem, ou ainda porque estão entre os milhares de vítimas dos bombardeamentos que enchem desmedidamente os hospitais locais.

A gravidade deste contexto é de tal ordem que a Amnistia Internacional (AI) acusou em comunicado o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, de "minimiar a gravidade das acções israelitas e da clara violação dos Direitos Humanos" sobre a população encurralada da Faixa de Gaza.

Para a AI, segundo a Al Jazeera, este minimizar da gravidade das acções de Israel resulta do facto de, apesar de Londres pedir a abertura da fronteira para a entrada de ajuda e a reposição dos serviços de água e electricidade a Gaza, o Governo de Sunak "recusa-se a condenar de forma categórica as lacunas israelitas sobre a Lei Internacional, ao não dizerem que as limitações impostas ao apoio humanitário são um evidente crime de guerra".

Razões e possibilidades

Pior ainda pode ser o facto de que a razão para o protelar da invasão terrestre a Gaza por Israel, que foi prometida logo a 07 de Outubro, não ser o pedido de contenção da comunidade internacional mas sim os 222 reféns israelitas que foram levados pelo Hamas para Gaza no dia 07 de Outubro, e, em caso destes morrerem durante os combates, que se se sabe que vão ser dos mais intensos alguma vez registados na região, com milhares de mortes de um e do outro lado, Netanyhau não ter no bolso qualquer justificação razoável.

Mesmo que no resto do mundo se tema uma evolução deste conflito para um confronto directo entre o Irão e Israel, que é por causa dessa possibilidade que os EUA enviaram dois porta-aviões e uma dezena de outros navios de guerra para a costa mediterrânica de Israel, e também foi essa a causa para o aviso ruidoso do Presidente Joe Biden para que os países da região não tentem entrar neste conflito.

Ao mesmo tempo, o ministro israelita da Economia, Nir Barkat, outro dos falcões de guerra de Netanyahu, avisou este fim-de-semana que as forças de defesa de Israel (IDF) estão prontas para "eliminar por completo" o Hezbollah e atacar com força nunca vista o Irão se for aberta uma segunda frente de guerra na fronteira com o Líbano.

"Se isso acontecer, não vamos apenas retaliar nestas frentes, vamos até à cabeça da cobra, vamos a Teerão eliminar os dirigentes iranianos", disse o governante israelita, citado pela imprensa, acrescentando na mesma ocasião que "os inimigos de Israel devem olhar bem para Gaza, porque lhes vai acontecer o mesmo se se atreverem a entrar neste conflito. Serão eliminados da face da terra!".

A isto, dito por Barkat, tinha o chefe da diplomacia iraniana, Hossein Amir-Abdollahian, afirmado antes que "se os crimes de guerra israelitas sobre Gaza não terminarem, será inevitável surgirem novas fretes de guerra", notando ainda que "a região vai ficarfora de controlo" com um "preço a pagar por Israel que não conseguem sequer imaginar".

Dúvidas sobre "responsabilidade" de Netanyahu na inaudita incursão do Hamas

Apesar de toda a tensão existente na região, e do apoio que, aparentemente, o primeiro-ministro israelita tem nos EUA, internamente Netanyahu atravessa, provavelmente, a mais perigosa situação política, com várias figuras da sociedade israelita a questionar a forma "duvidosa" como as forças militares e da intelligentsia israelitas foram apanhadas de surpresa.

Sendo Israel conhecido mundialmente por conta das três estruturas de recolha de informações e operações especiais globais, a Mossad, o Shin Bet, segurança interna, ou a menos conhecida mas não menos importante, Aman, a secreta militar, como foi possível que umas centenas de militantes armados do Hamas entrassem em Israel, por uma das fronteiras mais vigiadas do mundo, destruído muros, sem ninguém dar conta?

Esta é a pergunta à qual Benjamin Netanyahu e o seu Governo, politicamente extremista e religiosamente radical, vão ter de responder, porque, à medida que o tempo passa, são cada vez mais as vozes que a fazem, deixando um intrigante rasto de dúvidas no ar...

O britânico Guardian notícia esta segunda-feira, 23, que são vários os antigos oficiais do Exército e das secretas que estão a expressar sérias dúvidas sobre a liderança de Netanyahu, com o debate a ser mais ensurdecedor dia após dia.

Mas se, nos media tradicionais, a questão está apenar a ser colocado no patamar dad competências políticas, nas redes sociais são cada vez mais aqueles que admitem a possibilidade deste momento ter sido mesmo desejado ou preparado por Netanyahu de forma a afastar as atenções da sua periclitante situação política, seja por causa dos processos judiciais que correm contra si devido a suspeitas graves de corrupção e peculato, seja por causa das ininterruptas manifestações de rua com milhões de israelitas contra o seu projecto de reforma da justiça que lhe permitiria dominar o Tribunal Supremo e todo o aparelho judicial.