Por detrás das decisões dos dois tribunais de primeira instância do Colorado e do Maine está o recurso a uma disposição constitucional, a 3ª secção da 14ª emenda, que determina que todos aqueles que estiveram envolvidos em actos de insurreição contra os EUA estão impedidos de concorrer a cargos oficiais, o que abrange, naturalmente, o acesso à Casa Branca.
O episódio da invasão do Congresso a 06 de Janeiro de 2021, depois de Donald Trump ter sido derrotado nas urnas por Joe Biden, o actual Presidente norte-americano, que o seu antecessor, ainda no cargo mas já de saída, instigou, é a razão evocada pelos tribunais para o afastamento do boletim de voto.
Trump, para ser o candidato dos Republicanos nas eleições Presidenciais de 05 de Novembro de 2024, apesar de ser largamente favorito em todas as sondagens, tanto no interior do partido, como contra Joe Biden, terá ainda de vencer as primárias, onde tem como mais fortes contendores Nikki Halley, antiga embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, e Ron DeSantis, actual governador da Florida, e esta disputa na justiça do Colorado e do Maine.
Se na questão eleitoral, tudo parece sorrir a Donald Trump, mais difícil vai ser livrar-se da sucessão de casos na justiça estadual, que ameaça expandir-se do Maine e do Colorado para outros estados, onde pretende argumentar e recorrer contestando a acusação de que a sua conduta foi um apelo à invasão do Capitólio e também por razões processuais.
Isso mesmo pretende demonstrar no recurso da defesa que está a correr estes dias no supremo tribunal do Maine, alegando que não lhe foi dada "a adequada oportunidade de se defender", acusando mesmo a secretária de Estado deste estado, Shenna Bellows, democrata, de ter um comportamento "inclinadamente contra Donald Trump", negando-lhe a "equidistância exigida" e "uso indevido do poder".
A isto, citada pela imprensa norte-americana, Bellows já reagiu negando qualquer intromissão de questões pessoas nas suas decisões de afastar Trump do boletim de voto, lembrando que antes de decidir, ouviu a defesa do ex-Presidente durante 15 longas horas.
Segundo alguns analistas, embora as dúvidas não possam ser totalmente dissipadas antes de uma decisão judicial formal, como, por exemplo, o recurso derradeiro para o Supremo Tribunal, estas decisões comprometem apenas os estados do Maine e do Colorado, que contribuem com quatro e 10 votos eleitorais de um total de 538, segundo o sistema eleitoral norte-americano, que, em síntese, forma, com o contributo de todos os 50 estados que compõem os EUA, e que no final da etapa, decide o nome do novo inquilino da Casa Branca a cada quatro anos.
Ora, sem os 14 votos do Colorado e do Maine, Trump ainda pode ser eleito, bastando-lhe somar 270 votos do colégio eleitoral, mas tudo poderá ser resolvido muito antes, porque se o Supremo Tribunal, por exemplo, der provimento ao seu recurso sobre o Colorado, o primeiro caso, será feita jurisprudência e mais nenhum estado poderá retirar a sua foto dos boletins de voto.
Por detrás deste cenário está o discurso que Donald Trump, ainda Presidente mas já de saída após ter sido derrotado pelo democrata Joe Biden, a 06 de Janeiro, em Washington, onde, embora dependa da interpretação que possa ser feita pelas partes, apelou claramente aos seus apoiantes, especialmente aos radicais e famosos Proud Boys, uma organização pró-Trump conhecida pela sua violência e selvajaria, que liderou a invasão do Congresso logo a seguir ao discurso.
Trump só mais tarde, semanas depois, negou que tenha feito tal apelo, mas as mortes de cinco pessoas, incluindo polícias, levou a um aperto do cerco e os múltiplos vídeos e testemunhos levaram à conclusão inequívoca de que foi a sua intervenção que motivou o ataque ao Capitólio, edifício onde estão as duas câmaras do Congresso, os Representantes e o Senado.
Face a este abcesso na democracia norte-americana, e quando as sondagens deixam claramente em aberto uma vitória republicana se Trump se desenvencilhar dos processos na justiça, incluindo os onde está arguido por assédio e fuga aos impostos (ver links em baixo nesta página), os seus apoiantes desdobram-se em acusações aos democratas de estarem a usar o poder política para o afastarem da corrida, de forma a permitir um segundo mandato a Joe Biden.
Do outro lado da barricada, entre os democratas, as palavras seguem em sentido inverso e procura-se valorizar o curso da justiça.
Até à Convenção Nacional Republicana, que deverá ocorrer em Junho, tudo está plenamente em aberto. E mesmo depois disso, se Trump vier, como se espera, pelas sondagens, a ser o escolhido dos republicanos para enfrentar Biden, o jogo pode mudar se até lá não houver uma decisão final do Supremo Tribunal Federal dos EUA.
O que é normal que suceda, até porque a maioria dos 11 juízes deste tribunal de último recurso foi escolhida por Donald Trump...